segunda-feira, janeiro 26, 2009

A paternidade da Crise

Day Break
Autor Desconhecido





Ao princípio era simples: a crise era apenas um boato, longínquo, desvanecido. O nosso país, na torrencial verborreia desta peculiar saga de governantes, estava vacinado, imune às suas funestas consequências, graças a esticões atempados e a preceito no cinto dos funcionários públicos e trabalhadores em geral.


Sorrateira, dengosa, com apurado sentido predador, a crise rondou e atacou, fulminantemente. Parceiros de peso foram desabando, uns após outros, mas Portugal, inabalável, exibia a sua carapaça inatacável, segundo a escorreita verborreia dos nossos singulares governantes.


Súbita e inesperadamente a carapaça cedeu. A crise instalou-se sem apelo nem agravo. O descalabro financeiro, a patologia do desemprego, as falências em catadupa acumularam-se.


Mas a culpa é, indiscutivelmente, da crise. É a verborreia rotinada dos nossos palavrosos governantes que o afirma. A crise é intangível, imprevisível, definitivamente externa.


Deixemo-nos de tretas. Não somos palermas. Somos crescidos e amadurecidos nestas coisas da política. Crestámos consciências nas nossas opções políticas recentes. Ficaram cicatrizes e desconfio que gangrena também.


Sabemos muito bem que estes governantes e os anteriores têm perfil de criadores de crises. Esta crise antes de o ser já o era. Conscientemente, esta governança alinhou decisões, num plágio indecoroso, pelos ventos neoliberais que se insinuaram mundo ocidental fora.


Esse temporal reduziu direitos, as tais regalias, na redita verborreia, reduziu poder de compra, precarizou empregos, gerou desempregos, dissolveu expectativas, disseminou insegurança, proclamou flexibilidades de uma só via.


Encolheu o Estado. Congelou admissões na função pública. Encerrou escolas, maternidades, centros de saúde, numa sanha destruidora implacável. Destruiu projectos de futuro, carreiras, sonhos de jovens sôfregos de autonomia. Condicionou projectos de famílias, destruiu outras, sem manifestações visíveis de remorso ou de má consciência.


Criou guetos. Segregou sectores desfavorecidos. Estimulou a criminalidade e a violência. Desenraizou forçadamente crianças do seu acolhedor meio materno. Incrementou a desertificação do interior. Estigmatizou sectores fragilizados com o peso da solidão.


Estes governantes que pululam nos media, hora a hora, dia a dia, pretendem lavar as mãos, institucionalizar a impunidade. Em vão.


A crise, esta crise, não é filha de pais incógnitos, não é orfã de pai nem de mãe. Os seus progenitores querem varrer responsabilidades. Em vão.


Esta crise tem pai e mãe. Aqui e agora o Monge assim o atesta. O pai é este governo desvergonhado e a mãe a seita parlamentar que lhe presta vassalagem.


Palavra do Monge

domingo, janeiro 04, 2009

Sermão de Ano Novo

Monkey Portrait - Leanne Wildermuth






Caríssimos Irmãos:




As minhas primeiras palavras deste, provávelmente, infausto ano que ora se inicia são os mais insistentes apelos à cautela. Que não vos deixeis tomar por parvos, por incautos ingénuos, facilmente seduzidos pelo verbo insinuante dos truões, useiros e vezeiros da mentira, que dissemina uma imperscrutável velatura sobre a realidade mais dura subjacente.




Já vos deixastes cair no engodo uma vez. Lembrai-vos das funestas consequências de tal acto. Eu sei. Fui dos tais que caíu no logro. Homem de boa fé. Aprendemos com as boas e as más experiências, com o mal e com o bem. Ultimamente mais com o mal do que com o bem. Mas acho que um erro é o limite que devemos estabelecer para a nossa sempre incompleta capacidade de eternos aprendizes.




Mantende-vos em estado de alerta continuado. Duvidai dos vossos olhos e dos vossos ouvidos. Desconfiai das paredes que vos cercam. Sede críticos. Tornai-vos homens de pouca mas acertada fé. Questionai sentidos e realidade. Duvidai metódica e sistematicamente.




Pois ficai sabendo... Este mundo é comparável a uma fecunda árvore, repleta de melífluos e nutrientes frutos, com um característica invulgar: em cada galho proliferavam frutos com a mesma quantidade e qualidade. Por tal circunstância, era a preferida de um bando de ruidosos e agitados símios que, para obstarem a conflitos e divergências, apalavraram ajuizadamente que a cada um seria atribuído um e um só galho. Deste modo, viveram felizes e em paz, durante bons e prolongados tempos.




Mas a paz não era consentânea com a sua estrutura genética, na qual estava implantada uma irreversível e inquietante ambição. Desta forma, alguns destes símios passaram a expulsar os menos determinados dos galhos que lhe foram conferidos por direito, o que lhes permitiu acesso privilegiado a uma dose dupla de melífluos e nutrientes frutos. Satisfeitos com os resultados, continuaram a usar a mesma estratégia, com saborosas consequências. Criaram assim uma comunidade símia dividida em duas classes essenciais: uma numerosa classe de símios pobres e outra classe, pouco numerosa mas detentora de um considerável excedente de melífluo e nutriente capital.




Esta simiesca elite ocupou definitivamente a fértil árvore com todos os seus proventos. Os demais símios mendigavam, rés ao solo, os raros frutos que caíam ou ofereciam as suas reconhecidas competências de catadores em troca da satisfação das meras necessidades básicas. Gerou-se, assim, uma sociedade de macacos catados e macacos catadores.




Agora, analisai e extraí conclusões. A árvore é o nosso mundo. Macacos catadores sou eu e a minha pachorrenta audiência (às tantas, apenas eu, e isto é um entediante monólogo). Macacos catados são aqueles que, cada vez mais frequentemente, exigem os nossos préstimos catadores.


Por isso, abominai as burlescas caretas dos catados que se babam por catadelas. Votai, quando a isso fordes chamados. Mas doai o vosso voto a catadores. Só assim deixareis de o ser. Pelo menos, temporariamente.





Palavra do Monge