sábado, maio 26, 2007





A RESPEITO DE CUCOS E MELROS




A passarada deste habitat à beira-mar plantado está a mostrar condutas descaracterizadas. Principalmente melros e cucos. Estes e aqueles desataram a nidificar no ninho alheio, de tal forma que já não se distinguem os tão valiosos resultados da postura. É uma trapalhada que está a alertar biólogos e afins. Eles atribuem tal estado de coisas a efeitos colaterais da apregoada globalização em curso.


Repare-se no discurso de uma dessas renomadas aves:





«(...) o mundo mudou. Hoje há um fenómeno de globalização completamente incontornável e houve fenómenos que vão ao arrepio daquilo que se pensava que pudesse ser a evolução da sociedade. Hoje há mais ricos e há mais pobres. Há um fosso maior entre ricos e pobres, entre países ricos e pobres. Há uma ideologização do sucesso pelo sucesso, de que o dinheiro é o único valor, coisas com as quais eu não posso concordar.Porque o mundo mudou. Hoje há um fenómeno de globalização completamente incontornável e houve fenómenos que vão ao arrepio daquilo que se pensava que pudesse ser a evolução da sociedade. Hoje há mais ricos e há mais pobres. Há um fosso maior entre ricos e pobres, entre países ricos e pobres. Há uma ideologização do sucesso pelo sucesso, de que o dinheiro é o único valor, coisas com as quais eu não posso concordar.»




E adivinhe-se qual a ave citada: nada mais, nada menos que Nobre Guedes, num jornal da nossa praça. Estas crises de identidade são preocupantes. De uma vez por todas, definam-se, reciclem-se, actualizem-se, mas aprendam, de uma vez por todas, onde está a esquerda e a direita. Isto de trocar de posições é batota. Cartão Vermelho! Mas lá que gostei do discurso, gostei.



Palavra do Monge






quinta-feira, maio 24, 2007

Mother and Children - Sharon Sayegh



Tiranos de tenra idade




Javier Urras é Primeiro Provedor de Menores na vizinha Espanha. Recentemente, editou uma obra orientada para um problema crucial da sociedade do nosso tempo, que está directamente relacionado com a família e o seu poder regulador sobre as crianças. Em suma, aborda a falência do exercício da autoridade paternal.


O acesso crescente da mulher ao universo laboral, as exigências impostas pela carreira, o decréscimo da importância dos avós nas relações familiares, a redução da natalidade, conduzem a uma peculiaridade: a ausência de exercício ou o mau exercício da autoridade dos pais.


Afirma Urras:


«Sem dúvida, é importante ensinar-lhes (às crianças) o significado do não. Mas há que educá-los em liberdade, há que educá-los para a autonomia e a independência. Há que ensiná-los a trabalhar - na escola e nas tarefas em casa , há que educá-los no respeito por valores como a honestidade, há que puni-los quando os seus actos merecem castigo. Quando dizemos não, esse não tem de ser rotundo - não há apelo nem agravo, não há lugar a negociações, nem sequer a argumentações.»


Considera o mesmo autor que a definição de limites à criança é essencial. Esta regulação na infância é fundamental para a aceitação da autoridade paterna pelo adolescente e assume preponderância quando se verifica que, por contingências socioeconomicas, existe uma tendência para que o jovem quebre mais tardiamente os laços que o ligam ao agregado familiar.


Refere ainda:


«É essencial que os pais saibam transmitir o valor da palavra respeito. (...) É importante que cada um cuide da sua vida, mas também é importante tomar conta de quem cuidou de nós e de quem é importante para nós (...).

Há poucos anos as crianças brincavam com outras crianças, tinham uma rede alargada de conhecimentos (...), participavam em actividades conjuntas(...). Agora, a maior parte das crianças passam a maior parte do tempo sozinhas(...). Para piorar o cenário muitas vezes nem sequer têm irmãos.»


E acrescenta:


«Isso (o não) causa-lhes frustração, é verdade, mas a vida muitas vezes também é frustração. A vida também é o deve ser(...). Tem de haver compromissos. Isso é a vida em sociedade e temos a obrigação de o ensinar às nossas crianças.»


Urras alerta para o que se está a passar em Portugal:


«Aqui há muitos problemas com a falta de autoridade dos professores, a falta de respeito dos alunos pelos professores e, mais grave ainda, a falta de respeito dos pais dos alunos pelos professores dos seus filhos. E isso é gravíssimo.»


Acrescentemos que a razão das afirmações do provedor residem na ocorrência preocupante de fenómenos de violência de filhos contra pais, no país vizinho. Por aqui releva-se a violência sobre professores. Circunstâncias de um tempo dito de mudanças que, mais vezes do que seria expectável, nem sempre são para melhor.


Palavra do Monge

domingo, maio 20, 2007


Mais uma vez, o Mundo é azul!!

sábado, maio 12, 2007

August Walla

ALLEO


Ando por aqui enleado na reforma semântica recentemente introduzida na terminologia linguística, cujo exemplo mais disseminado é o do topónimo Allgarve. Não me interessam as suas implicações nos orçamentos autárquicos, devido à substituição das placas indicadoras das localidades: Allmoster, Allter-do-Chão, Alltamira, Allicante, Allvaiázere e outras.


Preocupo-me, repito, mais com a vertente semântica da questão. Vejamos:

Allfaia-ferramenta geralmente usada por todos. Uma evolução significativa e, convenhamos, perfeitamente enquadrada num espírito comunitário de partilha desprendida.

Allfaiate-costureiro definitivamente rendido à uniformização do uniforme: talhe igual para tamanho igual.

Alleo-substância gordurosa usada por todos, sem excepção (all you/óleo).

Allmeida-feito por todos, ou para todos. Há outra variante, construída por via popular: Allfeite. De facto, são sinónimos.

Allmoço-moço ou serviçal polivalente e extremamente disponível.

Allguidar-guia turístico para grandes grupos, perfeitamente ajustado às necessidades actuais de rentabilização dos recursos.

Allfacto-ocorrência que constitui o culminar do êxito jornalístico. Em calão, significará "faro para as notícias", capacidade extremamente incomum na corporação.

Alltraje-modo de trajar assumido por toda a comunidade, a saber: fato azul, gravata da mesma tonalidade, sapato de verniz. Usado também por mulheres, na sequência do princípio designado por inexistência de género.

Allicate-designação atribuida a todos os felinos de um determinado habitat.

Alldrabão-indivíduo, muito comum hoje em dia, com especiais capacidades para defraudar a confiança de todos, vulgo "animal político".

Allfama - uma espécie de Big Brother a que todos têm acesso.

Allface-rosto conhecido pela comunidade em geral.

Allforge-acto plural de forjar algo.

Allmofada-travesseira disponibilizada a todos, sem excepção.

Allice-visita turística a regiões polares, a baixo custo.

Alli-local acessível a toda a comunidade.


E, por ora, dou por terminada esta viagem pelos meandros da nova terminologia linguística.


Alltos gozos for all of you. Não confundir com all love you.


Palavra do Monge

terça-feira, maio 08, 2007

O Martírio de São Mateus - Caravaggio



A DERIVA DAS ESQUERDAS



Estou neste momento a ouvir António Barreto. Também o estava a ver. Mas ele lançou um tiro que não foi no escuro. Foi um tiro objectivo, directo, intencional. Este tipo de atitudes responsabiliza quem as assume. Tanto mais quanto provêm de uma figura pública e de um programa que detém uma certa ambição: a de constituir uma visão crítica da sociedade portuguesa contemporânea e do processo democrático. Tanto mais quanto provêm de um pessoa com um historial de preocupações e intervenções sociais não negligenciável. Alvejou o alvo costumado: os funcionários públicos.


Foi o suficiente para me fazer correr para este vale de lamentações. É o que faço quando me cheira a injustiça. Disse a pessoa em causa: os funcionários públicos detêm um estatuto de privilégio, estão excessivamente remunerados. Não são demais, mas não são produtivos.


Primeira contra-argumentação: não são os funcionários públicos que detêm privilégios; são os trabalhadores privados que foram, progressivamente, privados de direitos numa espécie de processo retrógrado, insinuado paulatinamente pelas elites económicas. O modelo está no estatuto público, não no privado. Retirar esse estatuto à função pública é contribuir para a deterioração inevitável da sociedade. É uma involução. Os trabalhadores privados ganham pouco, trabalham mais do que a lei e a equidade recomendam. Estão sujeitos à precariedade, à mobilidade, à instabilidade. Coartaram-lhes as possibilidades de associação. Não reinvindicam. Não o podem fazer, embora não lhes faltem motivos. Uma grande lacuna democrática. Restringiram-lhes a capacidade corporativa, essencial num eficaz e paritário processo negocial. Não têm oportunidades para estabelecer um projecto de vida. Isto não é saudável. Isto não é progresso, senhor António Barreto. Se, ao invés daquilo que perfilhava nos seus bons e recomendáveis velhos tempos, pretende uma sociedade sustentada nestes pressupostos, é lá consigo. Mas procede mal!


Segunda contra-argumentação: os funcionários públicos não estão bem remunerados. Alguns funcionários públicos, os colocados em funções de gestão de topo, na maior parte das vezes por nomeação ao sabor das flutuações partidárias, estão excessivamente remunerados. Mais: não estão capacitados para o cargo, porque a sua escolha não postula esse critério como fundamental. Os trabalhadores privados têm maus salários. Alguns privados recebem enormidades. É neste sector que as disparidades são, presentemente, mais significativas. Isto não é evolução, é retrocesso. Mas se tal situação é um facto, que não se transfiram para o sector público as maleitas do sector privado.


Terceira contra-argumentação: os funcionários públicos podem não ser produtivos. No entanto foram responsáveis, anonimamente, pelos maiores progressos sociais posteriores à Revolução. Reduziu-se a mortalidade infantil. Aumentou-se a esperança de vida. Generalizou-se o acesso à saúde, à educação, à justiça. Tudo isto em cerca de três décadas. Quando a maior parte dos países europeus já o tinham feito décadas atrás. Acha pouco? Tudo isto em estruturas muitas vezes inadequadas, com processos morosos de responsabilidade política. Não dos ditos funcionários. Se são pouco produtivos, não é porque não trabalhem, é porque as elites dirigentes não detêm competência para "agilizar" o sistema.


Por agora basta.


Palavra do Monge


segunda-feira, maio 07, 2007

Maxlife image



DESENCANTO


As piores previsões confirmam-se. A Europa roda vertiginosa e alucinadamente à direita e a direito. Perspectivam-se dias maus para as franjas sociais mais desprotegidas. Vêm aí propostas cruas e duras a cortar nos direitos laborais e sociais. A Europa como entidade una e interventiva tende ao desaparecimento. Nem pensar numa nova versão, mais ou menos camuflada, da dita Constituição Europeia. Como mecanismo de defesa dos países face ao fenómeno da globalização, tender-se-á ao proteccionismo crescente. Maus tempos para os emigrantes, culpabilizados do desemprego que grassa.


Sem mais.


Palavra do Monge