segunda-feira, junho 27, 2005

O Monge está condenado. Condenado a viver num estado de irritação permanente. E a causa está determinada. E o diagnóstico parece fácil. O monge fica irritado ao ligar a televisão. O Monge fica irritado com o uso que se faz dela. Para que haja conformação das mentes de quem houve e de quem vê.
Agora foi o senhor Vitorino. Pessoa com estatuto, com currículo. Mas a fazer afirmações que contrariam esse currículo. Que contrariam a sua militância num partido com responsabilidades sociais. A usar o acesso privilegiado a meios de divulgação que não dão direito a contraditório. Pois o Monge não é ouvido em programas de TV, em horas de garantida audiência. O Monge usa um mero blog e como instrumento essencialmente terapêutico.
Estou a ouvir o senhor Vitorino e sinto os sinais premonitários daquela alergia, que se vem assumindo como crónica. Alergia a uma verborreia, a uma retórica, que indiciam que algo vai mal. Também conheço o remédio. Desligar a televisão.
O seu ataque a sindicatos, instrumentos essenciais à defesa de trabalhadores, sejam eles quais forem, é um atentado a princípios democráticos essenciais. Os sindicatos não são construções virtuais. Surgiram num processo social e em consequência dele. A sua força decorre portanto de uma necessidade. A sua força só se desvanecerá com o diluir dessa necessidade.
O que irrita o senhor Vitorino é este determinismo social. Em situações de crise, de manobras atentatórias contra grupos de trabalhadores, "sejam eles quais forem", a importância dos sindicatos cresce exponencialmente. Independentemente da vontade do senhor Vitorino e de outros que tais.
Passemos à greve. A greve é um direito dos trabalhadores e está tudo dito. A greve assume-se como uma derradeira estratégia, quando se esgotaram as alternativas de diálogo. E, senhor Vitorino, a essência da greve está na produção de consequências. Pois as pessoas necessitam que lhes lembrem que o sector em greve tem um valor e uma importância económica e social. Para aqueles que tem curta memória ou que fingem que a têm curta, a paralisação de certos serviços funciona como cábula. E a cábula diz: estes serviços são necessários, imprescindíveis, contribuem, afinal, para o desenvolvimento e funcionamento do país. Não são descartáveis, senhor Vitorino.
O monge tem pena. Tem pena de si. Esteve muito tempo afastado do mundo real e vive num mundo irreal. Tão irreal, tão inacessível, que criou uma constituição irreal e inacessível que, quando referendada, é rejeitada. As pessoas comuns gostam da linguagem "pão, pão; queijo queijo" e, para além disso, como S. Tomé, precisam de comer o pão e provar o queijo.
Senhor Vitorino, os sindicatos estão aí e recomendam-se. E ainda bem. E, já agora, um conselho. Que tal uns momentos de recolhimento, de reflexão, num sítio calmo e ermo? Esta vida agitada tende a fazer esquecer o verdadeiro sentido da existência humana. Aceite o conselho deste seu Monge, que já foi seu admirador. Palavra do Monge.
Tudo aquilo que eu disser
Seja gravado na pedra;
Tudo aquilo que eu fizer
Seja a Paz ou seja a Guerra;
Será um cisco de Memória
No areal vasto da História.

O MONGE
O Homem detém uma fragilidade que é condição de desequilíbrio da evolução da Humanidade. Nem o facto tão propagandeado do aumento da esperança de vida vem dar uma ajuda a esta problemática. Pois é. O Homem é um ser efémero e nessa efemeridade reside, a razão profunda do Caos no Mundo. Cada um de nós retém memórias que são infinitesimais em termos do curso da História. Por outro lado, essas memórias devem ser significativas. E sê-lo-ão tanto mais quanto maior for o grau de envolvimento pessoal nos actos geradores de memórias. Como a vida do Homem é curta, fica coarctado o acesso a factos ou conjunturas que se mostraram como cruciais no percurso histórico. A Revolução de Abril ocorreu há 31 anos. Muita da nossa população activa não viveu as dinâmicas sociais da época. Nâo se envolveu, não se implicou, não chorou, não gritou, não riu nem sorriu. Não lutou, não sofreu por uma utopia, por uma nesga de esperança, por um projecto de vida, por um modelo de sociedade. Outros sim, o fizeram e são definitivamente credores da nossa gratidão. Graças a eles, pedaços de Utopia desagregaram-se e ganharam corpo em princípios, em garantias, em direitos. Repare-se, direitos, não regalias, privilégios ou outras mordomias que entraram na retórica de um neo liberalismo insidioso. Este quadro de direitos é sagrado, com a sacralidade que advém das coisas sofridas, de acções convictas de gerações e gerações, de vitórias e derrotas, de avanços e recuos. E todos nós fruimos essas conquistas, numa sociedade, apesar de tudo, mais igualitária e mais justa. Por isso, o Monge aponta-te o dedo e adverte-te: és corresponsável pela manutenção daquilo que foi obtido amarga e duramente, por quem viveu, por quem sofreu, por quem chorou, por quem lutou. Para que não sofras o que os Outros sofreram, para que não chores o que os Outros choraram. Eles legaram-te um mundo melhor. Assim tu o faças aos teus filhos. Palavra do Monge.

segunda-feira, junho 20, 2005

O distanciamento assume-se definitivamente como uma virtude. O envolvimento impõe-se amiúde como uma necessidade. São estas as dimensões do Mundo do Caos. São estas as regras do Dono do Mundo do Caos: o Monge. Tem a pregorrativa de se afastar quanto quer e quando quer. Afasta-se para melhor observar. Domina o tempo e o espaço. Vê ordem onde o comum dos mortais se amortalha no casulo da sua limitada visão. Envolve-se com a oportunidade que lhe convém. Envolve-se premeditadamente. Conhece os fins, domina os meios. Age para mudar. Escuta e vê. Fundamentalmente, pensa e julga. Abomina comentários, intrusões no seu livre arbítrio. Pois sabe que os amortalhados estão contaminados. Porque confinados aos limites estreitos do seu casulo. Porque, infelizes sem o saberem, estão agrilhoados e agrilhoam. Julgam que vêem e são cegos. Espreitam o mundo pela brecha gradeada de uma prisão e aquele minúsculo pedaço de céu, aquela mancha amortecida de luz, uns resquícios entrecortados de vida, são por eles tomados pela Vida, pelo Mundo, na sua totalidade e infinitude. Cuidado com o seu verbo sedutor, com a sua sua retórica inflamada mas insustentada. Não voam, mas não deixam voar. E aí está o seu grande pecado e a razão do seu proporcional castigo. O Homem nasceu para voar, para respirar a liberdade, para fruir a beleza de um mundo sem caos. Existe para o conseguir, para colocar ordem onde ela parece estar ausente, até que, definitiva e seguramente, todos os homens consigam planar nas alturas da sua intrínseca grandeza e ver com a crueza da águia o mundo como de facto é. Assumir-se-ão, então, como donos do Mundo do Caos. Com as faculdades que tal estatuto lhes confere, envolver-se-ão e serão activos agentes da mudança. Não aquela mudança sectária e segregadora, aparente e elitista, mas aqueloutra que beneficiará todos e cada um. Benvindos ao Mundo do Caos. Palavra do Monge.