sexta-feira, setembro 29, 2006


Hipocrisia, mentira e manipulação
Numa escola, algures, escolhida rigorosamente a dedo, uma mulher, com gestos estudados e ensaiados, baixa-se ao nível de uma criança e lança-lhe palavras ensaiadas, escolhidas rigorosamente a dedo. A criança responde-lhe, naquela linguagem simples, directa, não ensaiada nem escolhida rigorosamente a dedo.
A mulher era a ministra, a da educação. Em casa, espectadores mais sensíveis levam o dedo, dissimuladamente, ao canto do olho e esborracham uma lágrima teimosa e indiscreta.
Mais tarde, num programa de televisão com o nome errado, uma mulher, uma jornalista, moderadora habitual, e outros protagonistas, escolhidos rigorosamente a dedo, bem ensaiados, sorrisos sardónicos estampados no rosto, olhos fugidios, falsos a léguas, debitam medidas, num discurso de via única. A mulher era a ministra, a da educação. Escutam-se os prós.
Uma revista, num lance estudado, ensaiado, escolhido rigorosamente a dedo, edita um anexo. Era um estudo, pretensamente objectivo, sobre o estado da educação. Esse estudo estava pejado de juizos de valor que, como sabemos não abonam em favor da pretensa objectividade, metodologicamente avessos que são ao rigor e racionalidade exigíveis.
Os exemplos multiplicam-se, num corropio, pelos media da nossa praça, travestidos de arautos da desgraça, propagandeando os "números da vergonha".
Entretanto, esses arautos, falsos como judas, com soldo de trinta dinheiros ou mais, aplaudem um início do ano escolar exemplar.
Entretanto, professores são pagos, pelas autarquias, a cinco euros à hora, com deslocações incluídas. As ditas autarquias teriam recebido 15 euros por docente e amealhado o sobrante.
Entretanto milhares de alunos foram sequestrados dos seus locais de origem, privados das suas referências, do almoço com os seus progenitores.
Entretanto milhares de alunos vieram empanturrar escolas e salas de algures. Obras, nem vê-las, só prometidas. Segurança e apoios tolhidos, precários.
Entretanto, cantinas são encerradas. As crianças comem ração por medida, sem tempo para apoio, para uma palavra de estímulo, para uma carícia, para um sorriso ou mesmo uma gargalhada. São números, submetidos aqueloutra prioridade de outros números, os do malfadado e persistente défice.
Entretanto, milhares de alunos são transportados, não nas condições apregoadas pelos já citados arautos a soldo, o dos trinta dinheiros, ou mais. Tentarão retomar, sentados, enrolados sobre si mesmos, os sonhos desapiedadamente interrompidos.
Entretanto, milhares de pais, os que esborracharam, dissimuladamente, uma lágrima teimosa no canto do olho, aplaudem, calorosamente, a clausura dos filhos.
Palavra do Monge

sexta-feira, setembro 15, 2006


pas de deux
CHristian Kruger


CAPRICHOS
O Monge não podia deixar de apreciar a caprichosa afirmação de Marques Mendes, salvo erro, relativamente a uma obscura parceria para um dito pacto de regime relativamente à reforma da Segurança Social. O regime crê-se espartano, pois limita-se a um maquiavélico ressurgimento de um Bloco Central que, de facto, já não é central mas alhinhadinho à dextra. O Monge desconfia, como é seu timbre, de pactos de regime em que os protagonistas são apenas dois partidos. O Monge solidariza-se com os demais partidos com sede parlamentar que, presumivelmente, não serão tidos nem achados na elaboração do Pacto. De facto, um pacto de regime deve ter uma ampla participação para obter legitimidade. Deveria ser divulgado e comentado num cenário de participação e transparência democráticas. Tal coisa não aconteceu, como se sabe, naqueloutro pacto, o da Reforma da Justiça. Tudo nele foi cozinhado, temperado e recheado em ambiente de alcova, a bom recato da opinião pública. Muito pouco democrático, embora reconheçamos que a democracia foi chão que já deu uvas e que, presentemente, não vai mais além de uma palavra vã, muito útil para discursos e práticas demagógicas de credibilidade nula.
Pois a saborosa afirmação, que citamos de cor, foi a seguinte:... que Sócrates não se deixe influenciar por "caprichos ideológicos de esquerda". Tal afirmação não é abonatória para o dito Marques Mendes, por vários motivos, a saber:
-Subentende, errónea e descaradamente, que a ideologia é um capricho e, consequentemente, irrelevante na prática política.
-Que Sócrates é caprichoso, consequentemente volúvel na sua postura política, quando, na verdade, é um estratega obstinado e com rumo, infelizmente, claramente definido.
-Que Sócrates é de esquerda. Se tal for verdade, onde posicionaremos geometricamente a direita? Cá está um problema que, garantiremos, será um quebra cabeças para matemáticos credenciados.
-Que Marques Mendes em nada contribuirá para a recuperação da nossa tísica democracia. É do género : tu matas, eu esfolo e fico com os ossos.
Com uma gargalhadita muito amarela e pouco audível, despeço-me por ora. Palavra do Monge.