quarta-feira, janeiro 25, 2006

"Num país que ainda recentemente mostrou ser maioritariamente de esquerda, causa estranheza que o candidato da direita tenha uma vantagem tão forte em relação aos candidatos de esquerda, a ponto de poder ganhar as eleições na primeira volta."
Boaventura Sousa Santos
Visão
19 de Janeiro

PÉS NA TERRA

O Monge fica siderado com as afirmações de pessoas de inegável prestígio e provas dadas, como é o caso de Boaventura Sousa Santos. Tanto mais que, no mesmo artigo, ele refere "Não se pode atribuir tal facto a um tão mau desempenho do governo socialista que os cidadãos pretendam manifestar a sua frustração, votando massivamente no candidato da direita". Pois é, as grandes cabeças também se enganam. Principalmente se se encontram tão distanciadas da realidade, que a sua imagem lhes surge desfocada. Neste caso, um maior envolvimento, um maior contacto metodológico com a dinâmica social, do tipo observação participante, permitir-lhe-ia refrear o vigor da inferência supracitada. E evitar-lhe-ia o erro crasso na conclusão. E também a surpresa e a frustração. Esmiucemos o facto. A subida de Sócrates ao poder deveu-se a um descontentamento de franjas sociais fragilizadas, sujeitas aos ataques de um poder político demasiado conotado com o poder económico, na prossecução de uma estratégia neoliberal de emagrecimento do Estado e, consequentemente dos seus poderes regulador, fiscalizador e redistributivo. Por consequência, houve uma transferência de votos, essencialmente provenientes de uma classe média acossada e de todo um sector de servidores do Estado atingidos nos seus direitos. Essa deslocação de votos sustentou-se na esperança de um arrepio nas medidas reformistas esboçadas e no pressuposto de que a ideologia e a prática socialista nunca as viabilizariam. Sócrates traiu estas esperanças e, neste sentido e para este eleitorado, as medidas encetadas materializaram, de facto, um mau desempenho do governo socialista. Esta frustração foi tão dolorosa que, nas autárquicas, imediatamente a seguir, o PS sofreu uma confrangedora e estrondosa derrota eleitoral. Um investigador na área social deve ler estes sinais como os meteorologistas prevêem o tempo ou os sismólogos antevêem os terramotos. São factos concretos que, associados a outras tendências, prefiguram cenários que sustentam conclusões. No seguimento da continuidade das medidas altamente lesivas da população em causa, grande parte do eleitorado, goradas que foram as suas expectativas, retrocedeu ao ponto de partida e outro dispersou-se por outras candidaturas. Para o Monge, isto não foi uma surpresa. O que o surpreende é que especialistas de renome na área sociológica cometam erros tão flagrantes de análise e mostrem estupefacção perante as circunstâncias. Em quem poderemos confiar então, para que as iniciativas de quem nos governa primem pela equidade, pelo bom senso, pela adequação à realidade? Valha-nos o senso comum, que o outro anda algures, perdido como as mentes dos nossos especialistas. Palavra do Monge.

terça-feira, janeiro 24, 2006

NA BONANÇA
O Monge, sem surpresa, viu confirmados os seus vaticínios acerca dos resultados de uma campanha peculiar. Releu o seu último escrito e foi como se o passado se materializasse aqui e já. Sócrates coabitará mais afavelmente com Cavaco do que coabitaria com Soares. Dizia uma das gralhas da rádio, num dos desaforos costumados, que Sócrates atingiu o seu real objectivo. E que esse objectivo era destruir para reconstruir. O PS, claro. Raciocínio opaco, leviano, como é apanágio das ditas gralhas. Tal afirmação requeriria maior reflexão e comedimento. Pelo absurdo, aceitemos como válida tal inferência. Sócrates arrastaria consigo parte do PS, afirmava a gralha. A sua parte social-democrata. Premissas de sustentação desse raciocínio seriam os factos de Sócrates ter pertencido, num glorioso passado, à juventude social democrata e ao correspondente partido. Mas, afinal, quem é que Sócrates cativaria num tal propósito? O aparelho partidário em exercício efectivo de poder, nas sua complexa rede tentacular. E por quanto tempo o conseguiria? Obviamente, enquanto fosse o rosto desse poder. Um prazo curto de três anos e meio.
Na actual conjuntura, neste interessante cenário pós-eleitoral, o Monge não desdenharia da possibilidade da emergência de um movimento alternativo, mas com fonte diversa: a de Manuel Alegre. Mas não arrisca afirmar a eclosão de um novo partido. Esse movimento deve o seu êxito relativo a dois factores fundamentais:
- O descontentamento indignado de amplas franjas da população face à política discricionária de Sòcrates, ou seja, um segundo e ameaçador cartão amarelo;
- A desilusão em crescendo decorrente de um modelo de prática política que em nada a dignifica.
Se, pouco sensatamente, se pretendesse fomentar a eclosão de uma nova força partidária, o movimento gerado pela candidatura Manuel Alegre perderia toda a sua força geradora inicial e dissolver-se-ia na névoa partidária que pretendeu criticar.
Por isso, o Monge não acredita na alteração do espectro partidário existente. Acredita, isso sim, num sector da população mais activo, vigilante, voluntarioso e com ampla capacidade de intervenção, sufragada e legitimada pelo voto. A bem da democracia, contra a discricionariedade e a injustiça de medidas pouco reflectidas e pouco concertadas.
Que o autismo socrático milagrosamente se esfume. Que o bom senso se insinue nas acções e decisões de quem nos governa. Ah! E que as gralhas migrem. Preferencialmente para o deserto, com bilhete só de ida. Palavra do Monge.

quinta-feira, janeiro 12, 2006

O ERRO DE SÓCRATES - INVOLUNTÁRIO OU INTENCIONAL?
Sócrates marcará, indubitavelmente, a história do PS pelos piores motivos. Os inícios auspiciosos, materializavam-se numa maioria absoluta alicerçada na esperança de que se retrocedesse na política que era apanágio dos governos de Barroso e Santana.
Assumiu poderes de governação e, estrondosamente, ousou fazer o que os seus antecessores tinham pensado mas não ousado. Defraudou, sem dó nem piedade, as expectativas daqueles que nele depositaram elevado crédito de confiança.
O povo não perdoa e, nas autárquicas, não hesitou em mostrar um primeiro cartão amarelo retinto ao governo socrático, numa manifestação claríssima de rejeição das medidas implementadas. Sócrates, numa demonstração de autismo suicida, cego e surdo, incapaz de ler nas linhas o que qualquer outro lia nas entrelinhas, manteve o mesmo rumo obstinado.
A sua estratégia relativamente às presidenciais sempre intrigou o Monge. Sem tacto nem diplomacia renegou Alegre e pressionou Soares. Esfrangalhou o PS e fragilizou a esquerda. Colocou Alegre entre a espada e a parede e Alegre renegou a espada e, habilmente, mas sem esforço, contornou a parede. Avançou com uma candidatura muito peculiar que, por não ser suportada por qualquer aparelho partidário, ganhou credibilidade e margem de manobra.
Quanto a Soares, uma referência democrática, recebeu um apoio armadilhado. Aceitando o apoio de Sócrates colou-se ao governo e às suas impopulares medidas. Nâo cativa grande número dos votos do partido nem os da esquerda remanescente. Necessariamente, não cativará os votos do milhão e tal de servidores de estado e seus descendentes ou ascendentes, vítimas da discricionaridade governamental. É obra! Soares merecia melhor.
Praticamente ofereceu, numa bandeja rosa, a presidência a Cavaco. Ofereceu também oportunidade de mais poder a tudo o que se dissimula na sombra de Cavaco. Fundamentalmente, abriu as portas de par em par, numa escala sem precedentes, à intrusão do poder económico e financeiro na política. É a predição do eclipse progressivo, mas total, do sol que Abril abriu.
O monge continua intrigado. Prefigura-se-lhe que Sócrates, não disse mas pensou. Pensou que a sombra de Cavaco será mais acolhedora de que um Soares presidente, eventualmente incómodo, sempre independente e fiel a uma cartilha de princípios socialistas fundamentais, enunciados claramente em várias obras de referência da sua autoria.
Os próximos tempos apresentar-se-ão foscos, turvos e, porventura, turbulentos. À custa de Sócrates, evidentemente.
Palavra do Monge.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

O ERRO DE SÓCRATES
O monge soube, pelos caminhos ínvios da comunicação social que temos, que o Presidente Sampaio qualificara de corajosas as medidas de contenção socráticas. Habituado como está a saídas menos airosas de elementos da outrora família socialista, que contrariam, pela palavra e pela acção a sua cartilha ideológica, ele já não se admira com o discurso.
De facto, estas medidas e esta postura, as primeiras, de cortes indiscriminados e despudorados sobre trabalhadores do Estado e a segunda, de absoluta e arrogante falta de diálogo e de concertação, nada têm de socialistas e muito menos de corajosas. Portanto, Sócrates não é corajoso, porque assume o poder de forma discriminatória, de acordo com directrizes de uma minoria detentora de grande poder económico, cuja ambição é controlar o poder político, destruir o poder regulador e redistribuidor do Estado e manipular os cidadãos trabalhadores fragilizados a seu bel-prazer. Está sustentado pelo poder económico, apoiado pela comunicação social, no usufruto de um poder político. Desta forma, não lhe custa ser corajoso.
Seria corajoso, isso sim, se afrontasse de peito feito, a actual ofensiva de cariz neoliberal que, após a queda do muro de Berlim, se espraia avassaladoramente por este nosso pobre mundo.
A história não perdoa e a acção socrática ficará indelevelmente nela gravada, não pela coragem demonstrada, mas sim por uma cumplicidade servil, que traz mais estragos que benefícios. Navegar a favor da maré não é um acto de coragem, é uma manifestação de impotência.
A seu tempo veremos que, fragilizando com medidas pouco ponderadas as estruturas do Estado, os portugueses ficarão com piores serviços na Justiça, na Educação, na Saúde. A pessoa mais simples constatará que, reduzindo o quadro de recursos humanos e materiais de um qualquer serviço público, a sua produtividade diminuirá e o cidadão fruidor desse serviço acumulará frustrações. Não sejamos ingénuos: as verdadeiras reformas fazem-se com mais e melhor investimento. As verdadeiras reformas fazem-se com mobilização e implicação dos trabalhadores. Estes precisam de reconhecimento, de dignificação da sua função. E das correspondentes contrapartidas sociais e económicas. Numa era de materialismo o reconhecimento deve ser também material. As palmadinhas nas costas não sustentam ninguém.
O monge torce para que apareça alguém realmente corajoso, com sentido de Estado, impoluto e incorruptível, ponderado e que saiba ouvir, para melhor decidir. Será como tentar encontrar agulha em palheiro. Os verdadeiros heróis, os personagens com currículo e perfil, vão-se sumindo na sombra da sua mortalidade. A humanidade está a ficar orfã. Quantas saudades!
Por agora, enquanto esperamos um improvável milagre, vamos assistindo, ao desfile trágico da vulgaridade, da banalidade, da boçalidade.
O monge sabe, no entanto, que se aproximam tempos em que a crispação social dará lugar à convulsão social. Pessoas verdadeiramente lúcidas já o teriam previsto. A bem ou a mal o equilíbrio e a justiça social serão repostos. O monge acredita que será a mal. Meditemos e não descuremos a acção. Palavra do Monge.