segunda-feira, outubro 30, 2006


Quotas e Quotas LDA
Farto de ser bombardeado, dia após dia, mês após mês, por aqueles celerados sem vergonha, com conceitos abstrusos de meritocracia e excelência, que ele sabia não terem nada a ver com o caso, pois constituíam meras e muito descaradas desculpas para cortes e mais cortes, aquele docente decidiu responder à letra e aplicar as muito conceituadas e reditas quotas à avaliação do desempenho dos seus desprotegidos educandos. E sem avisar, como é de bom tom nestas coisas.
Leccionava ele numa turma com vinte alunos, nem mais nem menos. Uma turma nada má, pois cerca de 80% dos alunos foram, após rigorosas e exaustivas medidas avaliativas, carimbados com as notações de bom e excelente. 16 alunos, portanto.
Aplicou, inapelavelmente, as tão famosas quotas: de 5 %, para as notações de Excelente e de 10 % , para as notações de Bom. 15 % ao todo. 3 alunos, na verdade.
Como tinha decidido, autocraticamente e sem aviso, que só não chumbaria quem fosse rotulado com Bom e Excelente, aqueles 3 alunos passaram ao ano seguinte. Os outros por lá continuam, numa exasperante e tediosa agonia. Presentemente, acho que nem se importam muito. Resignaram-se, não mexem uma palha. Afinal aquele local é a sua vida.
O professor escolheu os privilegiados de entre os filhos dos pais mais rezingões, não vá o diabo tecê-las.
Está satisfeito e de consciência fresquinha. Há muito tempo que não se sentia tão bem!
Palavra do Monge

terça-feira, outubro 17, 2006

Chamas - Anna Paes



CORTEX E P'RÁ FRENTEX
O Simplex era tão simples, tão simples, que ninguém deu por ele. Talvez por isso, a estratégia socrática aposte cegamente no CORTEX. Não se trata de nenhum Plano Tecnológico vanguardista e miraculoso. Acho que ainda ninguém deu por ele. Também não é marca de preservativo. Seria um nome de criar arrepios, mas que seria eficaz e primasse por razões de Excelência, disso não teremos a maior dúvida. E deveria ter sido implementado há quatro ou cinco dezenas de anos e nas pessoas certas. Poupar-nos-ia estas linhas e os actuais arrepios.
O CORTEX é uma estratégia cega, surda e totalmente isenta de criatividade. Implementada e defendida com unhas e dentes por jovens conselheiros com MBA's granjeados no Império do Extremo Ocidente. MBA's que consistem efectivamente numa espécie de lavagem ao cérebro pouco higiénica. Os pobres coitados sujeitos a tais atrocidades têm visão limitada. Só vêem números. Trabalham com médias e percentagens. Estão definitivamente impossibilitados de ver as pessoas, de avaliar empaticamente os seus sentimentos e emoções. Consequentemente, tornam-se perigosos. Perfilham três princípios básicos, publicitados ao desbarato e desavergonhadamente: mobilidade, precariedade e polivalência. A separação do trabalhador da sua família, do seu meio de convivência é um pressuposto inegociável. A ideia de um emprego estável é de bradar aos céus. Um trabalhador deve desempenhar qualquer cargo ou tarefa sem recalcitrar, independentemente do investimento feito na sua qualificação de base.
Portanto, CORTEX nas escolas, nos professores, nos serviços da Administração Pública, na GNR e na PSP, no SNS, nas autarquias locais e nas regiões autónomas, nas maternidades e ainda mais. É a visão tacanha mas terrivelmente definitiva do carrasco.
CORTEX nas banhas do Estado, uma cirurgia inovadora e radical. É combater a obesidade com a anorexia. A estratégia é P'RÁ FRENTEX, alérgica a desvios e surda a sugestões ou contestações.
Os agentes desta estratégia socorrem-se sempre dos mesmos termos, a saber: emagrecimento do Estado, excelência, meritocracia, contenção, rigor e outros vocábulos dissuasores e brutais nos seus subentendidos.
Como são cegos e surdos, os fautores desta estratégia não antevêem a fumaça dos incêndios que provocam. São incendiários inimputáveis. Como não olham para trás, não vêem os destroços da sua acção. Possivelmente, perecerão nas chamas que geraram. Só que talvez seja tarde demais. Para os números que eles manipularam sem pejo, ou seja, os cidadãos sacrificados.
Como vêem, é SIMPLEX.
Palavra do Monge

quinta-feira, outubro 12, 2006

Harold Weston
A
PROCURA-SE
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Jornalista independente, objectivo na investigação, claro na exposição. Que não peque por omissão. Que não manipule malevolamente o discurso. Que não se deixe arregimentar por interesses de outrem. Que não paute seus títulos e artigos pelo impacto leviano na opinião pública. Enfim, suficientemente corajoso, sério e imparcial.
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O monge duvida que apareçam muitos jornalistas com currículo adequado ao solicitado. É um facto que se contarão pelos dedos aqueles jornalistas efectivamente objectivos e independentes. Jornais, televisões e rádio assumem-se como enformadores não só de opiniões, como também de comportamentos, hábitos, atitudes. Não é vã a sua atribuição como Quarto Poder.
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Tal influência no indivíduo e na sociedade despertou a cobiça dos senhores do dinheiro e donos da economia. Formaram voo picado sobre os média na sua sofreguidão patológica pelo poder e controlo social. Os exemplos surgem-nos por todo o mundo, nesta época de expansão de um capitalismo sem peias. O poderio económico conduziu a concentração dos meios de comunicação nas mãos de uns poucos. Pelas contas do Monge, em Portugal, estarão concentrados na mãos de muito poucos. Cerca de três, sendo que um dos grupos é a pura e simples correia de transmissão da propaganda do governo.
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Como essa propaganda não difere nada da dos grupos restantes, o Monge constata que o direito de expressão está ferido de morte. Os jornalistas são arregimentados pela sua capacidade de mediar o discurso dos patrões, filtrando, conformando e manipulando informação. Não serão, consequentemente, modelos de competência e ética jornalística. São os papagaios da comunicação. Verbalizam, escrevem, mas não são conscientemente críticos nem objectivamente independentes. Se lhes passarem pela mente alguns vislumbres de má consciência, serão irremediavelmente colocados no olho da rua.
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Isso tem a vantagem de, afinando uma prudente desconfiança, muita gente apure o seu espírito crítico, dando o devido desconto àquilo que vêem, ouvem ou lêem. A relação afectiva e de lealdade para com um média esfumou-se. Lê-se, ouve-se e vê-se para criticar autores e linhas editoriais, não para se informar.
N
Então e o pobre e desafortunado público? Como e onde expressará a sua opinião? Aqui mesmo, na net. Daí a sua relevante importância como enorme palco alternativo de comunicação. Que desfalque para os média comuns! Sinais dos tempos. Destes conturbados mas fascinantes tempos de uma tão propagandeada mudança.
Palavra do Monge

segunda-feira, outubro 09, 2006






A QUEDA DA MÁSCARA


Caiu mais uma vez a máscara socrática. Não é que não estejamos a tal habituados. Para nós a dita já não existe. Só pensamos no desconforto de Sócrates. Andar sempre a dobrar-se incomoda e não é saudável. Para lá de transformar a sua actuação num eterno Carnaval. Agora que devia aceitar com melhor máscara a manifestação de pessoas justamente indignadas, lá isso devia. Mas irrita-se e, pior ainda, usa acessos privilegiados para manifestar a sua irritação. E não aceita que os não privilegiados se socorram dos meios que lhes restam para sublinhar a sua. Muito pouco democrático. Será que já lhe caiu a máscara democrática? E logo num dos lugares que são feudo do dito corso?
Palavra do Monge

quinta-feira, outubro 05, 2006

Stairway for Heaven
Hratch Israelian

PROFESSOR

Transportas teu Fado aos ombros
E o sonho na palma da mão
Vagueias por entre os escombros
De um mundo em convulsão.

Tu és o fogo que inflama
Mil e um sonhos de criança
Que guiada por tua chama
Vai criando Esperança.

Por onde pára a magia
Que só tu sabes usar?
Que é feito da alegria
que ardia em teu olhar?

Não queiras ser o espelho
Do Mundo que te querem impor
Mundo novo que é Mundo velho
De que já conheces o sabor.

Se soçobras, marinheiro
Neste Mundo de tempestade
Quem será o timoneiro
Do Mundo de tenra idade?

Faz juz à tal galhardia
Que já timbrou tua imagem
Enfrenta com valentia
Os desvairos da viagem.

O Monge













quarta-feira, outubro 04, 2006

William-Adolphe Bouguereau
Revolta-te
Na véspera do Dia do Professor, o Monge julga pertinente realçar algumas citações de António Nóvoa, sobre a condição do exercício actual da docência. Para que os professores aliviem um pouco o seu fardo e para que a sociedade e famílias aliviem a inaceitável pressão que exercem sobre docentes e escolas, conducentes a um ambiente hostil, crispado, incompatível com a serenidade indispensável ao acto de educar. Para que se dê azo à reflexão e que se perspectivem as consequências de uma política autocrática, sem sustentação pedagógico-científica. Para que famílias e sociedade assumam definitivamente a sua quota parte de responsabilidades no processo educativo, de forma ponderada, concertada, voluntariamente alheados a pressões externas mal intencionadas.
"... a escola está sufocada, esmagada, por um excesso de missões."
"Atribuiram-se demasiadas missões à escola e esse é um dos seus maiores dramas."
"Tudo com base no princípio despropositado de que a escola tem de ser abrangente, transversal e capaz de dar resposta a todos os problemas familiares e sociais. Isto é um delírio."
"Defendo que as crianças só devem estar na escola durante o tempo estritamente necessário e que este deve ser usado, de forma exigente, rigorosa e eficiente."
"...a escola deve ser a tempo inteiro apenas durante o tempo que é da escola."
"Já considero um erro colossal a concepção de escola a tempo inteiro como espaço dirigido às actividades de entretenimento, recreativas e de guarda de crianças. Estas missões são da responsabilidade das famílias e da sociedade."
"Os pais devem ser chamados a avaliar o trabalho das escolas mas não o desempenho profissional dos professores."
Notícias Magazine, 30 de Julho de 2006
"É verdade que os professores foram co-responsáveis por esse "discurso do excesso". Com a sua conivência alimentou-se um mito que lhes concedia o papel de salvadores e redentores da humanidade. Hoje essas imagens viram-se contra eles e são usadas para responsabilizá-los pela crise da escola."
"Eu creio que os professores podem e devem exigir duas coisas absolutamente essenciais que são:
· Uma, é calma e tranqüilidade para o exercício do seu trabalho, eles precisam estar num ambiente, eles precisam estar rodeados de um ambiente social, precisam estar rodeados de um ambiente comunitário que lhes permita essa calma e essa tranqüilidade para o seu trabalho. Quer dizer, não é possível trabalhar pedagogicamente no meio do ruído, no meio do barulho, no meio da crítica, no meio da insinuação. É absolutamente impossível esse tipo de trabalho. As pessoas têm que assegurar essa calma e essa tranqüilidade.

· E, por outro lado, é essencial ter condições de dignidade profissional. E esta dignidade profissional passa certamente por questões materiais, por questões do salário, passa também por boas questões de formação, e passa por questões de boas carreiras profissionais. Quer dizer, não é possível imaginar que os professores tenham condições para responder a este aumento absolutamente imensurável de missões, de exigências no meio de uma crítica feroz, no meio de situações intoleráveis, de acusação aos professores e às escolas."

Por conseguinte, o Monge extrai algumas conclusões:
  • No excesso de missões que cada vez mais se atribuem às escolas estará uma das razões do propagandeado insucesso escolar;
  • Que as recentes medidas educativas irão contribuir para o acréscimo de instabilidade na estrutura educativa e, consequentemente, para o insucesso escolar;
  • Que as actividades extracurriculares constituem, de facto, uma das missões sem sentido da escola porque visam, prioritariamente, ocupar as crianças face à desvinculação das famílias da sua responsabilidade de educadores;
  • Que os professores pecaram por aceitação resignada da sobrecarga de funções sucessivamente atribuídas;
  • Que o ambiente agora criado e gerado pela instituição de tutela só prejudica o funcionamento do sistema educativo e a acção docente;
  • Que o ataque acérrimo e continuado ao estatuto do docente em nada contribui para restaurar a dignidade profissional, entendida com uma variável essencial à motivação dos docentes e, consequentemente, com repercussão negativa na eficácia da sua acção e no sucesso escolar dos seus alunos.

Pois cá o Monge augura maus momentos para a educação em Portugal em tempos próximos. Mas que se imputem responsabilidades a quem de direito. Professor, faz o teu melhor. Mas insurge-te, revolta-te, dá corpo à tua justa indignação. Ao fim e ao cabo, fazendo-o, estás a contribuir para que não se hipoteque o futuro das próximas gerações.

Palavra do Monge