domingo, dezembro 24, 2006

Tréguas felizes.
Uns pozinhos de anestesia.
O calor da lareira.
O aconchego das conversas partilhadas.
Um Presépio de gratas memórias.
Uma Esperança de dois milénios.
Sonhos em série piscando na árvore reciclada.
Enfim, muito sinceramente, um FELIZ NATAL.
Bem o merecemos.
Palavra do Monge.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Europe Today - Hasan Fazlić

HUMORES SULFUROSOS

Os frutos da traição colhem-se tarde. A própria estratégia da ocultação assim o exige. A sua maturação é tardia. O seu aspecto sedutor. Mas o seu sabor é acre, bilioso. Todos os jardineiros da Vida assim o reconhecem. Mas as sementes da traição proliferam, apesar da desconfiança. A alegoria do Éden grava dolorosamente nos primórdios da cultura este conceito ancestral.

Da traição emanam vapores terrivelmente sulfurosos. Chavez assim o diz e lá terá as suas razões, que o Monge reconhece, embora não se identifique com o populismo descarado do homem. Mas as emanações são tardias como a maturação. E os seus efeitos devastadores.

Tais frutos e vapores proliferam num frenesim arrepiante neste cantinho português. Que já não é assim tão português como dantes. Há vapores finlandeses, acerados como gelo. Há vapores suecos, irlandeses e doutras proveniências menos sãs. Mas todos esses fluidos tem a mesma origem, que Chavez compulsivamente localiza: o enxofre típico do extremo ocidente.

As provetas nacionais, onde fervem tais vapores, nunca foram originais. É uma incompetência criativa atávica. Nem a trair somos singulares.

Vem isto a respeito de medidas plagiadas, promovidas pelos nossos doutos governantes, que não tomam em devida conta a nossa idiossincrasia. As ditas inovações são encomendadas extra muros, embrulhadas em maquiavélico papel de fantasia e mascaradas com termos inéditos.

O último exemplo é o da flexisegurança. Um termo falso como Judas. "Etimológicamente" significa liberalização dos despedimentos. Mas a traição nunca rimou com coragem ou com frontalidade. Rima, isso sim, com má fé e hipocrisia. A dita palavra é estranhamente extensa, difícil de ler e de interiorizar. De forma que só a primeira parte importa. A segunda é um mero apêndice, no seu sentido literal. Uma coisa vã para extirpar, mais cedo que tarde.

E tudo isto provém, no timing cirurgicamente planeado, de uma elite corporativa entrincheirada em Bruxelas, habitualmente frequentadora de bacanais desregrados condominalmente fechados e viciada em sulfurite, a nova droga dos donos do poder, neste tempo deveras singular em que, no país do Plano Tecnológico, tectos caem sobre as cabeças de polícias, de manga curta em pleno rigor invernal e em que as seguradoras aumentam os preços dos seus seguros de saúde porque o Estado se demitiu das prestações de serviços básicos sem as quais ele não tem razão de ser.

Boas inalações. Palavra do Monge.


quarta-feira, novembro 29, 2006

Um novo paradigma infantil
A sociedade encontra-se arredada de problemas de extrema gravidade no plano da educação. Distraídos com um ambiente dito de mudanças radicais, a que se anexa o rótulo de urgentes, descura-se a investigação de fenómenos alarmantes, que nos confrontam com um perfil infanto-juvenil paradigmático. De facto, a realidade é esta: as nossas crianças são estruturalmente diferentes. Preocupado, o Monge, põe à consideração dos leitores fenómenos de cariz psico-sociológico, que deveriam estar na base de medidas sustentadas de prevenção e remediação, condicionantes da reestruturação do sistema educativo.
a
Síndrome do Pensamento Acelerado

Cury aponta o excesso de estímulo da TV, de conhecimento como a nova mudança nos paradigmas educacionais. “O estímulo dobra a cada cinco anos o que acontecia a cada 200 anos” diz. Além disso, para ele, a paranóia do consumo e da estética estimulou os fenómenos. “São eles que lêem a memória e constroem cadeias de pensamentos, produzindo uma nova síndrome chamada Síndrome do Pensamento Acelerado (SPA)”, afirma Cury complementando que, no mundo todos cometem um crime contra a mente das crianças, dos adolescentes. “O SPA é caracterizado por baixa concentração, dificuldade em lidar com estímulos da rotina diária, irritabilidade, esquecimento, ansiedade intensa”. No livro, o autor grita a dezenas de países, onde a obra está sendo publicada, que a sociedade moderna comete um grave crime contra a juventude mundial. “Temos que reinventar a educação”, afirma.

Augusto Cury

Médico psiquiatra, escritor e cientista, é pós-graduado em Psicologia Social. Pensador, pesquisador da Psicologia, desenvolveu em 17 anos a primeira teoria brasileira sobre a construção da inteligência, denominada de Inteligência Multifocal, publicada em 1998.
a
Síndrome do Imperador

Em Espanha, face ao acréscimo de comportamentos agressivos de crianças contra os progenitores, investigam-se as causas de tais comportamentos invulgares. As crianças abrangidas pelo estudo demonstram não possuir consciência dos limites. Controlam o ambiente familiar, dão ordens aos pais e fazem recurso à chantagem emocional. Na raiz dos problemas estarão erros educativos.

Segundo Vicente Garrido, psicólogo, investigador da Universidade de Valência, “ (…) o sistema nervoso destes miúdos revela-se incapaz de processar empatia, compaixão e responsabilidade – eles, simplesmente, não sentem culpa”. Existe, consequentemente, uma dificuldade em processar emoções morais. A causa de tal disfunção residirá nos padrões de conduta reguladores da sociedade actual – o facilitismo, o consumo e a ausência de limites familiares e sociais.

Muitos pais deixaram inculcar nos filhos a ideia que tem direito a tudo. Estes, à medida que crescem, forçam os limites dos adultos, visando impor os seus.

Carlos Poiares, psicólogo, remete-nos para “ (…)uma sociedade niilista, hedónica e com filhos de agenda, fruto de pais sobreocupados”. A ausência de valores reguladores e o predomínio compulsivo da busca do prazer imediato seriam objectivos que conformam tais comportamentos.
As crianças em que se detectou a síndrome referida apresentam um determinado quadro comportamental, a saber:

Falta de autocontrolo;
Incapacidade de empatia;
Recusa do cumprimento de tarefas;
Visão dos pais como extensões de si próprias;
Estabelecimento de exigências;
Abuso da chantagem emocional;
Recurso à ameaça e ao insulto;
Agressividade e impulso destrutivo.

In Visão

domingo, novembro 19, 2006


Alunos do secundário, mostrando dominar com mestria competências no uso das novas tecnologias de informação e comunicação, organizaram, em tempo recorde, significativa manifestação contra as aulas de substituição.

Pais acusam professores de manipulação de alunos adolescentes, invocando o seu maléfico poder de influência junto dos seus educandos.
Renomados especialistas referem que tal reacção se pode designar de ciumeira espontânea e que constitui uma manifestação do inconsciente face à progressiva perda de autoridade dos pais.
Acrescentam ainda ser natural que, face ao número significativo de horas em que docentes e alunos estão em presença, estes tendem a procurar modelos naqueles. Este facto constitui uma alteração aos clássicos modelos de formação da personalidade infanto-juvenil mas encontra justificação na diminuta influência da família contemporânea, instituição praticamente ausente.
Testemunhas presenciais relatam que, num acesso de violência, um pai terá puxado as orelhas ao filho, vociferando:
- Sua besta! Então em casa não me obedeces e aqui fazes tudo o que aqueles facínoras te pedem?
E deste modo coarctou, drasticamente, o legítimo exercício da cidadania do seu estimado rebento.

quinta-feira, novembro 16, 2006


Roger Chaput - Paris Street Scene
A RUA
A Rua soa pejorativamente nos corredores da corte. Para os actuais cortesãos é abjecta, obscena, indigna. Para os mentores da sua propaganda é conotada com as mais reles intenções da populaça. O Monge assiste a uma nova revolução linguística. Não, não é aquela das palavras infindáveis e indecifráveis, que uma elite fundamentalista, pretensamente de vanguarda, quer incorporar no curriculo do Português. É um fenómeno sociológico carregado de significado. Por exemplo, a palavra Excelência releva nos discursos. Dir-se-á que é a nova Utopia desta velha Era. Um indivíduo intelectualmente honesto nunca se considerará excelente. Excelente é uma palavra que não joga com a imperfeição da natureza humana. No entanto, o Monge acredita que, para uma nova espécie de indivíduos com egos do tamanho das suas ambições, a Excelência seja uma meta exequível. De facto, a Excelência apresenta-se, sorrateira e perfidamente, como uma justificação para a segregação, para um exercício de facto da oligarquia.
Naturalmente curioso, o Monge foi procurar o sentido de oligarquia e ficou estarrecido. Vejamos:
Oligarquia é um sistema político e social onde o poder é exercido por uma elite dirigente que controla interesses importantes relacionados com o poder. Este grupo dirigente legitima, por vezes, a violência e a riqueza, para atingir e se manter no poder. E, por isso, este poder nem sempre é exercido pelos mais capazes e virtuosos.
Qualquer semelhança com a realidade é erro da enciclopédia. Mas que dá para pensar, lá isso dá.
O vocábulo MÉRITO também constitui um modismo. De facto o mérito sempre existiu e sempre se recomendou. Mas como um reconhecimento e não como um instrumento. Estes são dois vocábulos que a dita elite, pouco criativa, incorporou à fartazana no seu discurso e nas suas intenções.
Na óptica dos tais, a Rua é um local pouco recomendável, frequentado por pessoas pouco recomendáveis. Eles só a frequentam de passagem, com olhos obstinadamente fechados e protegidos pelas muralhas envidraçadas dos seus carros oficiais. Não a ouvem, não a escutam. De facto detestam-na.
E, no entanto, a Rua é a Vida. É também o palco das derradeiras batalhas. É o último retiro dos oprimidos, dos desavindos com a fortuna, dos joguetes do destino e também dos lutadores, daqueles para quem a resignação é palavra sem sentido. É aí, na Rua, que esses, orgulhosamente assumidos como Gente da Rua, vão largando pedaços de si como se fossem condecorações. É nessas escaramuças do quotidiano que espelham o seu mérito. E é no seu resultado que procuram a Excelência.
E desgraçado de quem, ostensivamente, não ouça o som da Rua nem nela veja os sintomas purpurinos do descontentamento crescente. Desgraçado de quem confie em artificiais unanimismos para inglês ver. O unanimismo não se recomenda. É uma manifestação de subserviência, traiçoeira e falsa, para quem cometa o erro de a tomar por certa.
Pois o Monge ainda acalenta esperanças de que a oligarquia vá urgentemente para o olho da dita. Para bem da Excelência daquele futuro avesso a qualquer tipo de desigualdades e injustiças.
Palavra do Monge.

quinta-feira, novembro 09, 2006


O Fim do Estado de Graça
Não era preciso ser muito perspicaz para intuir que a Saga contra o Estado constituiria o feitiço que se voltaria contra o Feiticeiro. O Monge sempre considerou um paradoxo que se colocasse à frente do Estado quem, de facto e muito explicitamente, o quer destruir. Isto só foi possível com uma imperdoável traição ao eleitorado, consumada numa descarada quebra de promessas. Por isso, o poder foi conseguido com base na mentira e na hipocrisia. E, ainda pior, passou a ser exercido de forma autocrática, rígida, avessa ao diálogo e à concertação. Metodologias muito parecidas com aquela outra senhora de triste memória.
Esse autismo suicida conseguiu aquele prodígio de difícil prognóstico: a unicidade sindical. Só que esta é muito mais letal do que a outra, a dos velhos tempos. É uma espécie de geração espontânea, uma consequência muito física das leis da acção-reacção. Poderemos enunciá-las assim:
-Qualquer agressão determinará uma consequente reacção;
-Essa reacção será, no mínimo, proporcional ao potencial agressivo;
-A escalada de acções/reacções progredirá exponencialmente.
Por consequência, e dada a rigidez negocial manifestada pelo Governo, era tão obviamente inevitável que a indignação extravasasse para fora dos circuitos formais de concertação. A indignação saíu à rua de forma há muito não vista. Isto é tão natural como a própria sede. É uma questão de sobrevivência. Em caso extremo, é guerra declarada, com todos os efeitos nefastos que lhe são inerentes.
Estamos pois em guerra, a qual o Governo finge não ver. O uso e abuso da propaganda governamental através do acesso privilegiado aos media determinaram o recurso a meios de igual potencial mediático por parte dos alvos dessa propaganda. Deste modo se justificam manifestações gigantescas e adesões maciças a greves como aquelas com as quais nos confrontamos. São avisos claros à navegação. São sinais a ter em devida conta.
O estado de graça socrático chegou ao seu termo, concomitantemente com o término do estado de graça da presidência republicana de Bush. Esta alusão não é despropositada. Vejamos um facto recentemente tornado público. Um alegado guru da economia, finlandês por nascimento, debita perante um público de enfatuados e subservientes economistas. Reparemos na sua indumentária: botas texanas, t-shirt e blusão xadrez. Uma ausência de vulto: o típico chapéu de abas largas. Este finlandês não é finlandês, é americano, neoliberal dos quatro costados, costados estes voltados ostensivamente para a tradição da sua Europa natal: a do Estado Social ou do Estado Providência.
É pena. O Monge ficou desiludido. Confiava na criatividade finlandesa. Ingenuamente, não sabia que a Finlândia bebera inspiração num sistema que não é o nosso e que não deve servir de exemplo para ninguém. A não ser que se seja partidário da competitividade sem peias, de um individualismo cego, enfim, das leis darwinistas aplicadas ao social e ao económico. E o nosso governo bebe inspiração na mesma água infectada. Palavras para quê!
O Monge não vai por aí. Mas fica satisfeito com o toque a finados do estado de graça socrático. E também do de Bush, pois isso só lhe fica bem.
Palavra do Monge.

segunda-feira, outubro 30, 2006


Quotas e Quotas LDA
Farto de ser bombardeado, dia após dia, mês após mês, por aqueles celerados sem vergonha, com conceitos abstrusos de meritocracia e excelência, que ele sabia não terem nada a ver com o caso, pois constituíam meras e muito descaradas desculpas para cortes e mais cortes, aquele docente decidiu responder à letra e aplicar as muito conceituadas e reditas quotas à avaliação do desempenho dos seus desprotegidos educandos. E sem avisar, como é de bom tom nestas coisas.
Leccionava ele numa turma com vinte alunos, nem mais nem menos. Uma turma nada má, pois cerca de 80% dos alunos foram, após rigorosas e exaustivas medidas avaliativas, carimbados com as notações de bom e excelente. 16 alunos, portanto.
Aplicou, inapelavelmente, as tão famosas quotas: de 5 %, para as notações de Excelente e de 10 % , para as notações de Bom. 15 % ao todo. 3 alunos, na verdade.
Como tinha decidido, autocraticamente e sem aviso, que só não chumbaria quem fosse rotulado com Bom e Excelente, aqueles 3 alunos passaram ao ano seguinte. Os outros por lá continuam, numa exasperante e tediosa agonia. Presentemente, acho que nem se importam muito. Resignaram-se, não mexem uma palha. Afinal aquele local é a sua vida.
O professor escolheu os privilegiados de entre os filhos dos pais mais rezingões, não vá o diabo tecê-las.
Está satisfeito e de consciência fresquinha. Há muito tempo que não se sentia tão bem!
Palavra do Monge

terça-feira, outubro 17, 2006

Chamas - Anna Paes



CORTEX E P'RÁ FRENTEX
O Simplex era tão simples, tão simples, que ninguém deu por ele. Talvez por isso, a estratégia socrática aposte cegamente no CORTEX. Não se trata de nenhum Plano Tecnológico vanguardista e miraculoso. Acho que ainda ninguém deu por ele. Também não é marca de preservativo. Seria um nome de criar arrepios, mas que seria eficaz e primasse por razões de Excelência, disso não teremos a maior dúvida. E deveria ter sido implementado há quatro ou cinco dezenas de anos e nas pessoas certas. Poupar-nos-ia estas linhas e os actuais arrepios.
O CORTEX é uma estratégia cega, surda e totalmente isenta de criatividade. Implementada e defendida com unhas e dentes por jovens conselheiros com MBA's granjeados no Império do Extremo Ocidente. MBA's que consistem efectivamente numa espécie de lavagem ao cérebro pouco higiénica. Os pobres coitados sujeitos a tais atrocidades têm visão limitada. Só vêem números. Trabalham com médias e percentagens. Estão definitivamente impossibilitados de ver as pessoas, de avaliar empaticamente os seus sentimentos e emoções. Consequentemente, tornam-se perigosos. Perfilham três princípios básicos, publicitados ao desbarato e desavergonhadamente: mobilidade, precariedade e polivalência. A separação do trabalhador da sua família, do seu meio de convivência é um pressuposto inegociável. A ideia de um emprego estável é de bradar aos céus. Um trabalhador deve desempenhar qualquer cargo ou tarefa sem recalcitrar, independentemente do investimento feito na sua qualificação de base.
Portanto, CORTEX nas escolas, nos professores, nos serviços da Administração Pública, na GNR e na PSP, no SNS, nas autarquias locais e nas regiões autónomas, nas maternidades e ainda mais. É a visão tacanha mas terrivelmente definitiva do carrasco.
CORTEX nas banhas do Estado, uma cirurgia inovadora e radical. É combater a obesidade com a anorexia. A estratégia é P'RÁ FRENTEX, alérgica a desvios e surda a sugestões ou contestações.
Os agentes desta estratégia socorrem-se sempre dos mesmos termos, a saber: emagrecimento do Estado, excelência, meritocracia, contenção, rigor e outros vocábulos dissuasores e brutais nos seus subentendidos.
Como são cegos e surdos, os fautores desta estratégia não antevêem a fumaça dos incêndios que provocam. São incendiários inimputáveis. Como não olham para trás, não vêem os destroços da sua acção. Possivelmente, perecerão nas chamas que geraram. Só que talvez seja tarde demais. Para os números que eles manipularam sem pejo, ou seja, os cidadãos sacrificados.
Como vêem, é SIMPLEX.
Palavra do Monge

quinta-feira, outubro 12, 2006

Harold Weston
A
PROCURA-SE
*
Jornalista independente, objectivo na investigação, claro na exposição. Que não peque por omissão. Que não manipule malevolamente o discurso. Que não se deixe arregimentar por interesses de outrem. Que não paute seus títulos e artigos pelo impacto leviano na opinião pública. Enfim, suficientemente corajoso, sério e imparcial.
*
O monge duvida que apareçam muitos jornalistas com currículo adequado ao solicitado. É um facto que se contarão pelos dedos aqueles jornalistas efectivamente objectivos e independentes. Jornais, televisões e rádio assumem-se como enformadores não só de opiniões, como também de comportamentos, hábitos, atitudes. Não é vã a sua atribuição como Quarto Poder.
*
Tal influência no indivíduo e na sociedade despertou a cobiça dos senhores do dinheiro e donos da economia. Formaram voo picado sobre os média na sua sofreguidão patológica pelo poder e controlo social. Os exemplos surgem-nos por todo o mundo, nesta época de expansão de um capitalismo sem peias. O poderio económico conduziu a concentração dos meios de comunicação nas mãos de uns poucos. Pelas contas do Monge, em Portugal, estarão concentrados na mãos de muito poucos. Cerca de três, sendo que um dos grupos é a pura e simples correia de transmissão da propaganda do governo.
*
Como essa propaganda não difere nada da dos grupos restantes, o Monge constata que o direito de expressão está ferido de morte. Os jornalistas são arregimentados pela sua capacidade de mediar o discurso dos patrões, filtrando, conformando e manipulando informação. Não serão, consequentemente, modelos de competência e ética jornalística. São os papagaios da comunicação. Verbalizam, escrevem, mas não são conscientemente críticos nem objectivamente independentes. Se lhes passarem pela mente alguns vislumbres de má consciência, serão irremediavelmente colocados no olho da rua.
*
Isso tem a vantagem de, afinando uma prudente desconfiança, muita gente apure o seu espírito crítico, dando o devido desconto àquilo que vêem, ouvem ou lêem. A relação afectiva e de lealdade para com um média esfumou-se. Lê-se, ouve-se e vê-se para criticar autores e linhas editoriais, não para se informar.
N
Então e o pobre e desafortunado público? Como e onde expressará a sua opinião? Aqui mesmo, na net. Daí a sua relevante importância como enorme palco alternativo de comunicação. Que desfalque para os média comuns! Sinais dos tempos. Destes conturbados mas fascinantes tempos de uma tão propagandeada mudança.
Palavra do Monge

segunda-feira, outubro 09, 2006






A QUEDA DA MÁSCARA


Caiu mais uma vez a máscara socrática. Não é que não estejamos a tal habituados. Para nós a dita já não existe. Só pensamos no desconforto de Sócrates. Andar sempre a dobrar-se incomoda e não é saudável. Para lá de transformar a sua actuação num eterno Carnaval. Agora que devia aceitar com melhor máscara a manifestação de pessoas justamente indignadas, lá isso devia. Mas irrita-se e, pior ainda, usa acessos privilegiados para manifestar a sua irritação. E não aceita que os não privilegiados se socorram dos meios que lhes restam para sublinhar a sua. Muito pouco democrático. Será que já lhe caiu a máscara democrática? E logo num dos lugares que são feudo do dito corso?
Palavra do Monge

quinta-feira, outubro 05, 2006

Stairway for Heaven
Hratch Israelian

PROFESSOR

Transportas teu Fado aos ombros
E o sonho na palma da mão
Vagueias por entre os escombros
De um mundo em convulsão.

Tu és o fogo que inflama
Mil e um sonhos de criança
Que guiada por tua chama
Vai criando Esperança.

Por onde pára a magia
Que só tu sabes usar?
Que é feito da alegria
que ardia em teu olhar?

Não queiras ser o espelho
Do Mundo que te querem impor
Mundo novo que é Mundo velho
De que já conheces o sabor.

Se soçobras, marinheiro
Neste Mundo de tempestade
Quem será o timoneiro
Do Mundo de tenra idade?

Faz juz à tal galhardia
Que já timbrou tua imagem
Enfrenta com valentia
Os desvairos da viagem.

O Monge













quarta-feira, outubro 04, 2006

William-Adolphe Bouguereau
Revolta-te
Na véspera do Dia do Professor, o Monge julga pertinente realçar algumas citações de António Nóvoa, sobre a condição do exercício actual da docência. Para que os professores aliviem um pouco o seu fardo e para que a sociedade e famílias aliviem a inaceitável pressão que exercem sobre docentes e escolas, conducentes a um ambiente hostil, crispado, incompatível com a serenidade indispensável ao acto de educar. Para que se dê azo à reflexão e que se perspectivem as consequências de uma política autocrática, sem sustentação pedagógico-científica. Para que famílias e sociedade assumam definitivamente a sua quota parte de responsabilidades no processo educativo, de forma ponderada, concertada, voluntariamente alheados a pressões externas mal intencionadas.
"... a escola está sufocada, esmagada, por um excesso de missões."
"Atribuiram-se demasiadas missões à escola e esse é um dos seus maiores dramas."
"Tudo com base no princípio despropositado de que a escola tem de ser abrangente, transversal e capaz de dar resposta a todos os problemas familiares e sociais. Isto é um delírio."
"Defendo que as crianças só devem estar na escola durante o tempo estritamente necessário e que este deve ser usado, de forma exigente, rigorosa e eficiente."
"...a escola deve ser a tempo inteiro apenas durante o tempo que é da escola."
"Já considero um erro colossal a concepção de escola a tempo inteiro como espaço dirigido às actividades de entretenimento, recreativas e de guarda de crianças. Estas missões são da responsabilidade das famílias e da sociedade."
"Os pais devem ser chamados a avaliar o trabalho das escolas mas não o desempenho profissional dos professores."
Notícias Magazine, 30 de Julho de 2006
"É verdade que os professores foram co-responsáveis por esse "discurso do excesso". Com a sua conivência alimentou-se um mito que lhes concedia o papel de salvadores e redentores da humanidade. Hoje essas imagens viram-se contra eles e são usadas para responsabilizá-los pela crise da escola."
"Eu creio que os professores podem e devem exigir duas coisas absolutamente essenciais que são:
· Uma, é calma e tranqüilidade para o exercício do seu trabalho, eles precisam estar num ambiente, eles precisam estar rodeados de um ambiente social, precisam estar rodeados de um ambiente comunitário que lhes permita essa calma e essa tranqüilidade para o seu trabalho. Quer dizer, não é possível trabalhar pedagogicamente no meio do ruído, no meio do barulho, no meio da crítica, no meio da insinuação. É absolutamente impossível esse tipo de trabalho. As pessoas têm que assegurar essa calma e essa tranqüilidade.

· E, por outro lado, é essencial ter condições de dignidade profissional. E esta dignidade profissional passa certamente por questões materiais, por questões do salário, passa também por boas questões de formação, e passa por questões de boas carreiras profissionais. Quer dizer, não é possível imaginar que os professores tenham condições para responder a este aumento absolutamente imensurável de missões, de exigências no meio de uma crítica feroz, no meio de situações intoleráveis, de acusação aos professores e às escolas."

Por conseguinte, o Monge extrai algumas conclusões:
  • No excesso de missões que cada vez mais se atribuem às escolas estará uma das razões do propagandeado insucesso escolar;
  • Que as recentes medidas educativas irão contribuir para o acréscimo de instabilidade na estrutura educativa e, consequentemente, para o insucesso escolar;
  • Que as actividades extracurriculares constituem, de facto, uma das missões sem sentido da escola porque visam, prioritariamente, ocupar as crianças face à desvinculação das famílias da sua responsabilidade de educadores;
  • Que os professores pecaram por aceitação resignada da sobrecarga de funções sucessivamente atribuídas;
  • Que o ambiente agora criado e gerado pela instituição de tutela só prejudica o funcionamento do sistema educativo e a acção docente;
  • Que o ataque acérrimo e continuado ao estatuto do docente em nada contribui para restaurar a dignidade profissional, entendida com uma variável essencial à motivação dos docentes e, consequentemente, com repercussão negativa na eficácia da sua acção e no sucesso escolar dos seus alunos.

Pois cá o Monge augura maus momentos para a educação em Portugal em tempos próximos. Mas que se imputem responsabilidades a quem de direito. Professor, faz o teu melhor. Mas insurge-te, revolta-te, dá corpo à tua justa indignação. Ao fim e ao cabo, fazendo-o, estás a contribuir para que não se hipoteque o futuro das próximas gerações.

Palavra do Monge

sexta-feira, setembro 29, 2006


Hipocrisia, mentira e manipulação
Numa escola, algures, escolhida rigorosamente a dedo, uma mulher, com gestos estudados e ensaiados, baixa-se ao nível de uma criança e lança-lhe palavras ensaiadas, escolhidas rigorosamente a dedo. A criança responde-lhe, naquela linguagem simples, directa, não ensaiada nem escolhida rigorosamente a dedo.
A mulher era a ministra, a da educação. Em casa, espectadores mais sensíveis levam o dedo, dissimuladamente, ao canto do olho e esborracham uma lágrima teimosa e indiscreta.
Mais tarde, num programa de televisão com o nome errado, uma mulher, uma jornalista, moderadora habitual, e outros protagonistas, escolhidos rigorosamente a dedo, bem ensaiados, sorrisos sardónicos estampados no rosto, olhos fugidios, falsos a léguas, debitam medidas, num discurso de via única. A mulher era a ministra, a da educação. Escutam-se os prós.
Uma revista, num lance estudado, ensaiado, escolhido rigorosamente a dedo, edita um anexo. Era um estudo, pretensamente objectivo, sobre o estado da educação. Esse estudo estava pejado de juizos de valor que, como sabemos não abonam em favor da pretensa objectividade, metodologicamente avessos que são ao rigor e racionalidade exigíveis.
Os exemplos multiplicam-se, num corropio, pelos media da nossa praça, travestidos de arautos da desgraça, propagandeando os "números da vergonha".
Entretanto, esses arautos, falsos como judas, com soldo de trinta dinheiros ou mais, aplaudem um início do ano escolar exemplar.
Entretanto, professores são pagos, pelas autarquias, a cinco euros à hora, com deslocações incluídas. As ditas autarquias teriam recebido 15 euros por docente e amealhado o sobrante.
Entretanto milhares de alunos foram sequestrados dos seus locais de origem, privados das suas referências, do almoço com os seus progenitores.
Entretanto milhares de alunos vieram empanturrar escolas e salas de algures. Obras, nem vê-las, só prometidas. Segurança e apoios tolhidos, precários.
Entretanto, cantinas são encerradas. As crianças comem ração por medida, sem tempo para apoio, para uma palavra de estímulo, para uma carícia, para um sorriso ou mesmo uma gargalhada. São números, submetidos aqueloutra prioridade de outros números, os do malfadado e persistente défice.
Entretanto, milhares de alunos são transportados, não nas condições apregoadas pelos já citados arautos a soldo, o dos trinta dinheiros, ou mais. Tentarão retomar, sentados, enrolados sobre si mesmos, os sonhos desapiedadamente interrompidos.
Entretanto, milhares de pais, os que esborracharam, dissimuladamente, uma lágrima teimosa no canto do olho, aplaudem, calorosamente, a clausura dos filhos.
Palavra do Monge

sexta-feira, setembro 15, 2006


pas de deux
CHristian Kruger


CAPRICHOS
O Monge não podia deixar de apreciar a caprichosa afirmação de Marques Mendes, salvo erro, relativamente a uma obscura parceria para um dito pacto de regime relativamente à reforma da Segurança Social. O regime crê-se espartano, pois limita-se a um maquiavélico ressurgimento de um Bloco Central que, de facto, já não é central mas alhinhadinho à dextra. O Monge desconfia, como é seu timbre, de pactos de regime em que os protagonistas são apenas dois partidos. O Monge solidariza-se com os demais partidos com sede parlamentar que, presumivelmente, não serão tidos nem achados na elaboração do Pacto. De facto, um pacto de regime deve ter uma ampla participação para obter legitimidade. Deveria ser divulgado e comentado num cenário de participação e transparência democráticas. Tal coisa não aconteceu, como se sabe, naqueloutro pacto, o da Reforma da Justiça. Tudo nele foi cozinhado, temperado e recheado em ambiente de alcova, a bom recato da opinião pública. Muito pouco democrático, embora reconheçamos que a democracia foi chão que já deu uvas e que, presentemente, não vai mais além de uma palavra vã, muito útil para discursos e práticas demagógicas de credibilidade nula.
Pois a saborosa afirmação, que citamos de cor, foi a seguinte:... que Sócrates não se deixe influenciar por "caprichos ideológicos de esquerda". Tal afirmação não é abonatória para o dito Marques Mendes, por vários motivos, a saber:
-Subentende, errónea e descaradamente, que a ideologia é um capricho e, consequentemente, irrelevante na prática política.
-Que Sócrates é caprichoso, consequentemente volúvel na sua postura política, quando, na verdade, é um estratega obstinado e com rumo, infelizmente, claramente definido.
-Que Sócrates é de esquerda. Se tal for verdade, onde posicionaremos geometricamente a direita? Cá está um problema que, garantiremos, será um quebra cabeças para matemáticos credenciados.
-Que Marques Mendes em nada contribuirá para a recuperação da nossa tísica democracia. É do género : tu matas, eu esfolo e fico com os ossos.
Com uma gargalhadita muito amarela e pouco audível, despeço-me por ora. Palavra do Monge.

terça-feira, agosto 22, 2006

O VENDEDOR DE SONHOS
"Dreams" Rafael Gallardo
-Que tempo de um raio!-reagiu ele, intempestivamente, ao dilúvio que desabava na avenida.
Aborrecia-se profundamente com o exílio forçado, ali, junto à escadaria que acedia ao casino. Uma escadaria larga, imponente, faustosa. Um acesso incerto ao jogo da sorte ou do azar. Uma subida feita de sonho e esperança, talvez a última. E de muitas e penosas descidas.
Pensando bem, seria um local estratégico para um cauteleiro. Para que procurar a sorte mais acima, se ele a oferecia muito mais abaixo e a preço de saldo.
Paradoxalmente, poucos respondiam à sua proposta. Preferiam a ambiência, o sabor a aventura e risco, o ruído, a vertigem mais perto do céu.
-Que tempo lixado!
A humidade colava-se, incómoda, ao frio lagedo do átrio. Estirado no chão, ele conferia as cautelas mais uma vez. Era fim de tarde e ele ainda não vendera nenhuma. Dia azarado.
Não é que isso lhe importasse grande coisa. Convivia com o azar há tanto tempo que se tinham tornado inseparáveis.
-Vou tentar arranjar uns cartões. Darão jeito, à noite.-E ela saiu à procura, ligeira, quase uma sombra.
Afinal era o que eles eram, duas sombras. Ele já não se lembrava de quando nem de onde a conhecera. Algures num daqueles recantos mais sombrios da cidade, locais demarcados dos esquecidos da fortuna. Tão pouco sabia o seu nome. Tão pouco lho perguntara. No entanto, tornaram-se parceiros e cúmplices naquele simulacro de vida. O passado, tacitamente, não existia. O futuro era para eles de uma clareza invulgar, imune a projectos ou expectativas.
Por isso viviam apenas o presente. Um momento de cada vez. Variavam de poiso, quando lhes apetecia. Viviam das sobras, nas franjas de uma comunidade selectivamente cega, mas não menos solitária.
-Maldita chuva!
Odiava aquelas gotas grossas e frias que lhe coartavam a liberdade. A liberdade de apregoar a sorte para aqueles que a podiam e queriam comprar. Já transportara entre mãos quantias fabulosas, que alteraram drasticamente vidas de desconhecidos. Encolheu os ombros, indiferente.
Sentia-se livre, no seu sentido literal e absoluto. Não obedecia a regras. Não aceitava compromissos. Não fazia concessões à vida. Vivia, pura e simplesmente.
Olhava, enfastiado, para a tarde inesperadamente brumosa daquele Agosto.
Afinal, o cartão seria benvindo.

segunda-feira, julho 24, 2006

O CERCO
Parte II


" A viúva" , de Teixeira Lopes

Um passante mais regular condoer-se-ia, possivelmente, ao entrever uma figura franzina, trajada de negro, minúscula silhueta por entre o milheiral. Talvez pusesse em causa a força e a persistência que naquele corpo fragilizado de facto residiam.
Um passante conhecido não ousaria esboçar qualquer dúvida acerca da capacidade da artesã daquela obra-prima de sobrevivência. Saberia ler toda uma vida gravada nas rugas daquele rosto magro. Traduziria o brilho daquele olhar profundo de quem muito viveu e viu. Adivinharia as cicatrizes que lhe sulcavam a alma de combatente.
Aquela mulher grudava-se desesperadamente ao passado como forma de resistir à precariedade do presente. Não entendia este ritmo avassalador que a rodeava. Estava definitiva e irremediavelmente ajustada ao ritmo compassadamente marcado pela lua, pelos ciclos das estações, pelo nascer e pelo pôr-do-sol. Nunca o seu pulso fora feito refém de um qualquer relógio. Nunca se deixara subjugar por horários que não fossem os estritamente naturais.
Assumira o negrume da sua viuvez de forma dolorosa e irrevogável. Desta feita, não se tratava apenas de um afeiçoamento cultural, de um perfilhamento cego de costumes ancestrais. De facto, o sentimento de perda que se seguira à morte do seu companheiro atingira-a com uma violência de que nunca se recompusera. A cumplicidade que os unira fora o alento com que enfrentaram e transpuseram, indómitos, dificuldades inumeráveis. Quase sossobrou com a forçada e eterna ausência. Mas a lembrança de uma convivência de muitos anos fora também o elixir da sua recuperação.
Agarrara-se à terra com a força do desespero. E a terra, agradecida, correspondeu-lhe, arrancando-a a um torpor que, a continuar, seria letal. Curvou-se ainda mais sobre os torrões que desmanchava com a ligeireza de décadas de experiência lhe tinham ensinado.
Andar curvada tornara-se a sua postura habitual. Não era apenas o estigma do inexorável desfilar dos anos. Era uma exigência de reverência da terra-mãe. Era o pagamento exigido pela fecundidade. Era um tributo, uma penitência, mas também uma honra e um testemunho.
Mas aquela débil figura reerguia-se quase miraculosamente, deixando vislumbrar todo o carácter, toda a raiva explosiva que dela se apoderava e que deflagrava num estrondoso não a qualquer proposta de negócio daquela parcela de território que era o seu. Mesmo filhos e familiares próximos, que não compreendiam aquela apaixonada ligação a um solo que, para eles, só fazia sentido quando traduzido em números, deixaram de a importunar, de a seduzir com razões que ela jamais compreenderia. Ao fim e ao cabo aquele solo era a sua vida. Abdicar dele seria suicídio.
De modo que aquele local se tornara uma ilha e a viúva a sua exígua população. O passante regular e conhecido admira a sua coragem e a sua persistência. Compreende a sua atitude e o seu modo de estar perante a vida, as suas alegrias e as suas adversidades. Torce para que tal coerência escorrace a superficialidade, o artifício, o vil interesse que se constitui como imagem de marca desta sociedade que idolatra o efémero. Torce para que esta fortaleza continue a resistir ao terrível assédio com pertinácia equivalente.
Palavra do Monge.

quinta-feira, julho 20, 2006


O CERCO
Parte I

Millet


Muitos chamavam-lhe oásis, a maioria um anacronismo.
De facto, aquele local era uma espécie de bolha, enquistada no tempo, um exemplo raro de resistência às arremetidas vigorosas da urbe.
Tratava-se de uma quinta. Uma área razoável dividida com rigor geométrico por fiadas de videiras rasteiras. Numa das pontas, a menos produtiva, como outrora convinha, quase desprovida de manta morta, elevava-se um barracão robusto, de paredes grossas em pedra granítica, simbólico bastião de anteriores e heróicas lides de sucessivas gerações de lavradores anónimos mas de obra feita.
Como abertura, apenas a porta, de chapa ondulada e ocre, a única concessão detectável ao assédio inovador do presente.
À sua volta brotavam fantasmagóricas gruas, esguias e arrogantes, no cerne de uma inusitada agitação. Máquinas famintas rugiam, ensurdecedoras, escalavrando impiedosamente o solo, deixando nele as feridas do seu afã destruidor.
E, num prazo extraordinariamente curto, mesmo tomando como padrão a vã efemeridade humana, aquele local ficou cercado. Rodeado de edificações de traçado variável, aparentemente sem vínculo congruente, aquele resquício de um qualquer passado ali jaz, indiferente à sua inquestionável solidão.
Um passante menos assíduo surpreender-se-ia, pois aqueles terrenos não apresentavam o desmazelo característico daqueloutros votados a um impiedoso abandono, invadidos pelo torvelinho desordenado de silvados apostados em comprovar os seus atributos competitivos no jogo desregrado da luta pela vida.
Aquele solo e a vida que ele gerava reflectiam a ordem imposta por mão humana, rara mas sábia. De modo que continuava a apresentar as mutações que o ciclo agrícola exige. Vides podadas a seu tempo, bandeiras do milheiral erguidas em ode à labuta do Homem e à pujança da Natureza.
O Monge

segunda-feira, julho 10, 2006

A QUADRATURA DO CÍRCULO
"Freitas do Amaral era um ministro quadrado, Luis Amado e Severiano Teixeira são ministros redondos"
Pacheco Pereira, citado na Visão
O Monge não vai fazer a mínima tentativa de contextualizar a citação estranhamente geométrica de Pacheco Pereira. Reconhece que não viajou até à fonte de informação para sacudir a estranheza que lhe impregnou a mente após a leitura de tão curta expressão. De forma que vai tentar fazer um exercício de descodificação, partindo dos perfis intuídos dos protagonistas activos e passivos deste incidente.
Presume que Pacheco Pereira não cometeria a descortesia de conectar tal expressão com a aparência física dos visados. O monge omite vigorosamente tal possibilidade que, no seu entender, seria altamente pejorativa, tanto para Freitas do Amaral, como para os seus sucessores, como para o próprio Pacheco Pereira ou mesmo para o próprio Monge.
Erradicando do nosso exercício a aparência física de cada qual, afinal de conta um pormenor insignificante, resta-nos enveredar pela envolvente psicológica de toda a questão. Será que PP quis afirmar que Freitas do Amaral era um governante teimoso, inflexível, difícil de demover das suas decisões? E que, por consequência, o seu percursor, mais macio, mais maleável, detinha as capacidades inerentes a funções diplomáticas?
O Monge inclina-se para esta última hipótese e tira algumas conclusões. Este governo não admitia duas individualidades quadradas no seu elenco: Freitas e Sócrates. Para que funcione, só necessita de um quadrado e muitos redondinhos, que voguem sem recalcitrar ao sabor do quadrado sopro socrático.
O Monge sente-se frustrado. De facto, acha que o qualificativo quadrado de Freitas era sinónimo de qualificação. Acha que as posições por ele tomadas foram corajosas, oportunas, justas e uma marca de carácter. O governo ficou, portanto, mais pobre mas, reconheçamos, muito mais maneável, o que para o Monge é muito mau sinal.
Deus nos livre dos redondinhos. São um perigo neste trânsito político infernal. Palavra do Monge.

segunda-feira, junho 12, 2006

Aquele sorriso
O Monge sempre desconfiou daquele sorriso. Não é um sorriso franco, aberto, leal. É mais um esgar, uma necessidade amarelada, talvez o espelhar de uma superioridade auto assumida mas que, assim o sendo, talvez atinja foros de patologia. Estou a falar do senhor Vitorino e do seu eterno sorriso. São inseparáveis. Para onde vai um, vai o outro. Mas são dispensáveis. Tanto se passa sem um como sem o outro. Melhor ainda, todos seriamos bem mais felizes sem o massacre mediático de um e do outro.
De resto, o sorriso do senhor Vitorino é um espelho de um partido que já o foi mas já não é. É uma frustração, uma traição, um desaforo, o esfrangalhar de esperanças acumuladas, uma contaminação, um vírus, a necessidade de uma quarentena. O socialismo esvaiu-se. A força concentrada do sangue de muitos feneceu após súbita e irreversível hemorragia. O partido gangrenou, descaracterizou-se. Ergueu, sob a sua própria lavra, uma barreira entre simpatizantes e militantes. A ideologia morreu.
O governo, emanência natural do partido, atenta sôfrega e repetidamente contra o Estado, ao qual pertence e que devia preservar. Intencionalmente e com uma descarada má fé, vai retalhando com requintes sádicos a estrutura que contribuiu com sublime eficácia para a redução significativa da mortalidade infantil, para o aumento da esperança de vida, para o apoio e prevenção da doença. O mesmo faz com um sistema educativo que aguentou, mau grado iniciativas avulsas e desajustadas de consecutivos governos, com a massificação do ensino, sem correspondente aumento de recursos. E tudo graças à abnegada e anónima acção dos professores que agora estão sob fogo cerrado da ministra, dos pais e da sanha oportunista de comentadores sedentos de polémica, que se pronunciam de forma irresponsável e leviana sobre assuntos que não dominam. São as gralhas dos media, entre os quais o Monge inclui um dito Sousa Tavares e um outro Pedro Norton, a par com o dito senhor Vitorino.
Todos têm em comum o pronunciamento nu e cru a desfavor de um dos sindicatos mais representativo dos professores: a Fenprof. Esse pronunciamento indicia um desrespeito inaceitável por estruturas que constituem pilares da democracia e instrumentos contra medidas atentórias de direitos fundamentais dos trabalhadores. Quem diz mal dos sindicatos diz mal dos professores. Quem diz mal dos sindicatos pronuncia-se contra a democracia. Senhor Vitorino, Senhor Norton, senhor Tavares, é óbvio que lançastes a democracia às urtigas. E sem qualquer remoer de consciência.
Duas das relevantes figuras mencionadas pronuncionaram-se sem sombra de dúvida a favor da avaliação dos professores pelos Encarregados de Educação. Uma medida ridícula só explicável pela instrínseca má intenção de quem a toma. Tenho muita pena mas, de facto, os pais não reúnem condições para tal. A grande maioria disvincula-se intencionalmente do acompanhamento dos seus educandos e da participação no processo educativo. O Monge chega a classificar os pais. Deste modo haverá encarregados da não educação e da má educação, qual deles o pior perfil. Mesmo sem querer, coagidos pela pressão de todo um mundo laboral cada vez mais darwinista, os pais vêem-se inapelavelmente afastados da educação dos seus filhos. E, senhor Vitorino e demais pares, a culpa é da sociedade que todos nós ajudámos a criar. Um exemplo de má arquitectura social, a qual a história se encarregará de julgar.
Face a estas agressões, facetas maquiavélicas deste governo de infiltrados, só se esperam reacções na justa medida. E elas ocorrerão naturalmente. É pena, o país merecia melhor mas... é capaz de não haver. Vade retro. Ao que isto chegou! Palavra do Monge.

terça-feira, maio 30, 2006

DESPUDOR, DESONESTIDADE, MANIPULAÇÃO E UMA GRANDE LATA!
A incompetência é uma espécie de arma de destruição massiva. Quando ela provém de um governante é um crime. Quando a incompetência se alia à prepotência é um crime de lesa liberdade. Quando a incompetência se alia à prepotência e à manipulação intencional e inescrupulosa é um crime contra a sociedade.
O Monge assume-se como acusador. A ré, é sem sombras de dúvidas e sem sombras na consciência do magistrado, a Ministra da Educação.
A dita senhora acaba de caluniar infamemente uma classe profissional que, apesar das sucessivas incompetências dos sucessivos governos, tem sustentado de forma honrosa mas sofrida todo um sistema educativo público: os professores.
Profere mentiras com laivos de querubim. Cúmplice de uma sanha vingativa contra a sacralidade do Estado nos seus objectivos de pugnar por uma sociedade mais justa, assaca responsabilidades a quem não as pode ter. E sacode com tiques de grande senhora as mascarras da mais profunda ignorância.
Porventura, quem vem protegendo com progressivo descaro o ensino privado? Quem vem sonegando a autonomia às escolas públicas? Quem vem introduzindo a rigidez burocrática nos actos, relações e processos do sistema educativo. O Chalana? O Castelo Branco? Não, sucessivos ministérios da mais profunda e insana incompetência, incluindo esta cereja em cima do bolo que constitui o da dita senhora ministra.
Argumenta-se que as individualidades, aburguesadas através de não sei que estranhas manigâncias, optam por escolas privadas, bem equipadas, com disciplina q.b., com crivo de exclusão à entrada. Pudera, essa opção foi-lhes dada de bandeja. A princípio dissimuladamente, depois às claras, desavergonhadamente.
Pois o Monge alvitra, contra acções de excepção, reacções de excepção. E com resultados garantidos. Acabe-se já com o ensino privado, coito dos privilegiados da fortuna, espelho exemplar de uma desigualdade escandalosa de oportunidades. Os resultados vêm-nos de leste. Ensino público, investimento maciço, qualificações à altura para todos, sem segregação. Abaixo os nichos elitistas, geradores da mais avassaladora exclusão.
Pois o Monge alvitra, contra decisões impensadas emanescentes do MIN (Governo dos Mercenários Infiltrados Neoliberais) uma cota de responsabilização proporcional, avaliada a partir de uma auditoria externa, credível e imparcial. Exclui-se da sua constituição, obviamente, uma assembleia da republica na sua maioria subserviente, amorfa e comprometida e um presidente da república, que vai falar de inclusão social aos chaparros do Pulo do Lobo.
O Monge anexa ainda uma moção do mais completo desprezo por comentaristas que vendem palavras de circunstância a pedido e a peso, em ouro. Não se surpreende, pois, com a obesidade crescente que deles se vai apoderando. Afinal, sempre é o seu trabalho. É um novo tropismo: o da engorda compulsiva.
Quanto à ministra, submetida a julgado e à revelia, que seja colocada, com os seus apaniguados, para lá da fronteira e num exílio perpétuo. Com urgência. A bem da Nação. Palavra do Monge.

segunda-feira, maio 15, 2006

LEILÃO XXI
É entrar, é entrar, irmãos! Chegámos ao grande leilão do consumismo. Consumam à velocidade do TGV. Consumam desenfreadamente, pois uma vida é um arroto, um suspiro, um ai que já lá vai. Consumam compulsivamente, pois a vida é um jogo e também o seu peão. Ponham a vossa vida em questão pela quantia simbólica de um cêntimo. Coloquem a vossa vida à cintura, mascarada de um dúzia de granadas e vinte vidas inocentes. Já lá vão 20 e mais uma.
Consumam riscos, perigos, emoções. Consumam almas, intelectos, corações. Consumam rápida e efemeramente. Consumam namorados, amigos, maridos, relações. Consumam razões e paixões.
É entrar, é entrar, irmãos! Sejam benvindos ao grande leilão do nosso tempo. Consumam ideias e ideais, ideologias e outras que tais. Consumam políticos e políticas à velocidade do TGV. Não pensem, ajam. Não argumentem, joguem. Pensar é pecado, pensar é letal, jogar é legal. Consumam comentários, mastiguem jornais, vomitem sem pejo, desavergonhadamente, as ideias dos tais.
Este leilão tem a voracidade de um inferno à desfilada. É entrar, é entrar, irmãos! Dispam-se de escrúpulos e da vossa consciência. Mastiguem a ausência de consciência dos tais. E vomitem, vomitem, pois a vida é uma procela, um tufão, um furacão. Consumam o travo amargo, mas intenso, da montanha russa. E vomitem.
Consumam telenovelas, documentários, telemóveis. Consumam tatuagens, conversas encriptadas, padronizadas, cruas e nuas. Consumam toques, mensagens e promoções. Consumam, irmãos, consumam... E depois parem para pensar. Afinal, ainda têm os 65 anos à vossa frente.

Palavra do Monge

terça-feira, abril 25, 2006

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VINTE E CINCO ALVORADAS



Vinte e cinco alvoradas
Passadas do mês fecundo,
Outras tantas badaladas
Que nos abriram ao mundo.

Vinte e cinco esperanças,
Vezes mil ou talvez mais,
Foram outras tantas lanchas
Que largaram do seu cais.

Vinte e cinco mil grilhetas
Por um sonho se quebraram.
Vinte e cinco mil estafetas
Por um sonho se esfalfaram.

Vinte e cinco mil promessas
Vezes mil ou talvez mais,
Viraram o mundo às avessas,
Mudaram do tempo os sinais.

Vinte e cinco anos se foram
E ainda um pouco mais,
Mil promessas se apagaram
Ou talvez bastante mais.

Vinte e cinco mil vilões,
Ou um pouco mais talvez,
Querem repor os grilhões,
Apagar o sonho de vez.


Cada qual um guardião
Do sonho que Abril gerou
Férreo, não largue mão,
Do que Abril nos legou.

Palavra do Monge

terça-feira, abril 04, 2006

OPA!


Opa, opa e mais opa! Eh lá... Desta vez o Monge ultrapassou os limites. Começar um enunciado com uma praga não são modos de uma pessoa com o seu estatuto, nem um exemplo para os parcos leitores. Mas reconsideremos. O Ti Belmiro também está a extrasavar os seus limites. Diria mais, extravasa as suas competências e imiscui os seus considerados doutos saberes em áreas de que não percebe patavina. Melhor dizendo, meteu o seu valioso nariz onde não era chamado. Pasmado, o Monge diria que sofre do síndroma AVC (Aquisição Verdadeiramente Catastrófica) - para o país, claro, para a PT em particular e para os trabalhadores da PT , ainda mais particularmente. Pois a referida personalidade atreveu-se a criticar o sistema educativo em termos menos elogiosos. Como está na moda, aliás. Vá lá! Que um comum cidadão, menos imune aos assaltos insidiosos dos media, profira tais insinuações, ainda se aceita, embora tal não o isente de uma proporcional e exemplar penitência. Agora o Ti Belmiro, uma das personalidades ilustres, um conselheiro muito requisitado de governantes e similares, devia mostrar mais contenção. Que percebe ele do estado da Educação? Tanto como a correspondente ministra? Talvez menos, o que, tendo em conta o termo de comparação, é menos que nada. Mas o Monge percebe. Percebe que aquilo que o Ti Belmiro quer são trabalhadores adestrados e amestrados. Devem ser móveis, polivalentes e aceitar a precaridade sem recalcitrar. Nada de espírito crítico, que isso só estorva. Os chefes que pensem e julguem. Os trabalhadores não foram feitos para isso. Nada de solidariedade, que isso contende fragorosamente com a ambiência competitiva instalada. Nada de valores, que isso é um mito pouco conveniente. A não ser que sejam os valores perfilhados pelo ilustre dito. O Monge pasma... e cisma. Então andou-se tanto tempo a apostar na educação para os valores, na sua contribuição para uma sociedade mais justa, mais equitativa, mais fraterna e mais solidária. Tanto tempo a apostar no homem com espírito crítico, dotado de autonomia de pensamento, de julgamento e de acção. Tanto tempo a apostar em cidadãos intervenientes e responsáveis. Opa, opa e mais opa! Perdoem-me a praga. Mas o Monge penitenciar-se-á na devida proporção, o que quer dizer... nada. Palavra do Monge

sábado, março 11, 2006

À M.
Com imensa admiração
Menina, criança-mulher,
Que nasceste já imersa
Em mar turvo e tormentoso,
Por que não largas teu sorriso,
Tão gentil, tão generoso,
nas garras de mão adversa,
Que tudo destrói, sem aviso?
Que lição é essa, a tua,
Que só agora entrevejo?
Menina, criança da rua,
Criança-mulher, como invejo,
No sorriso, a coragem,
No olhar, uma alegria,
O gozo de uma viagem,
Que eu tinha por sombria.
E, no entanto, quantos medos,
Que angústias, quanta dor,
Quantos recônditos segredos,
Escondes com amargor,
Por detrás do teu sorriso?
Sorriso de mulher-menina,
Olhar de mulher-criança,
Como encaras tua sina,
Sem largar mão da esperança?
Menina feita mulher,
Mais cedo do que merecias,
Navega sem esmorecer,
No mar sinuoso dos dias,
Sem jamais deixar morrer
Teu sorriso de menina.
O Monge

quarta-feira, fevereiro 15, 2006






BOM SENSO E PRECONCEITO


O monge constata com preocupação que este mundo é de loucos. Melhor dizendo, este mundo é dos loucos. Necessariamente, quer do lado das ditas e reditas consumadas democracias, quer do lado das presumidas teocracias, emergem os mesmos sintomas de demência crónica e progressiva. No entender do Monge, ascenderam ao poder pessoas que a ele não deveriam ascender. No mundo ocidental, profundamente influenciado pela cultura anglo-saxónica, tal situação é estranha e dificilmente compreensível. Pois que é feito da democracia, do direito de livre escolha e da responsabilidade que lhe está inerente? Teoricamente, deveriam ser escolhidos os melhores, os mais aptos, os mais capazes para conduzir os nossos destinos. No entanto, errámos indesculpavelmente. A nossa consciência crítica esboroou-se perante a demagogia, o populismo, carreados por uma comunicação social desprovida de consciência ética e de responsabilidade política e social. Por uma comunicação social infiltrada pelo corrosivo poder económico. Por feitores de opinião ao serviço de inconfessáveis interesses que não são públicos e, por isso, não pugnam pelo interesse colectivo. Por isso estamos orfãos, orfãos de pessoas credíveis, impolutas, de perfis devidamente alicerçados na tolerância, na ponderação, no bom senso. Qualidades que permitem dizer não, quando a maioria diz sim. Qualidades que recomendam diálogo, quando as palavras se tornam lâminas letais. Qualidades que edificam a tolerância, quando cruzadas e guerras santas são propagandeadas.
A comunicação social está em fanicos, descredibilizou-se. À boa imagem de um capitalismo selvagem, sem peias, em que a usura se espraia irremediavelmente, pegajosa, oleosa como o crude, vive obcecada pelos shares das vendas, das audiências, mandando às malvas os filtros deontológicos. Uiva clamando pela liberdade de expressão, arredada das profundas responsabilidades que lhe estão subjacentes. Contende fragorosamente com outros direitos humanos, que subalterniza.
E aí temos a tão indesejada contenda civilizacional. Esta escalada de intolerância, alimentada por actos impensados de gente com grande visibilidade mediática, que destrói todo um percurso ecuménico de luta pela paz, dura e prolongadamente erigido, vai transformar-se num disputa olho por olho, dente por dente, num esboroar de esperanças por um mundo mais fraterno, no respeito pelas diferenças e pela mais valia que dessas diferenças necessariamente emerge.
Pessoas de bom senso precisam-se. Devem assumir o protagonismo neste tempo de crise, em que cada acto, cada palavra, devem ser maduramente pensados.
O preconceito deve ser, numa perspectiva metodológica, recolocado nos sotãos da nossa consciência colectiva, sem bolas de naftalina, a esmiuçar-se em pó. O extremismo deverá ser considerado postura não grata, o diálogo intercultural preservado e alimentado.
E que se calem os discursos virulentos, tresandando a mofo e de ideias curtas, de comentadores e políticos desclassificados. Que se transfigurem definitivamente em personagens de comédia de um qualquer cinema mudo. Talvez assim possamos esboçar um ligeiro sorriso ou até largar uma incontida gargalhada.
Palavra do Monge.

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quarta-feira, janeiro 25, 2006

"Num país que ainda recentemente mostrou ser maioritariamente de esquerda, causa estranheza que o candidato da direita tenha uma vantagem tão forte em relação aos candidatos de esquerda, a ponto de poder ganhar as eleições na primeira volta."
Boaventura Sousa Santos
Visão
19 de Janeiro

PÉS NA TERRA

O Monge fica siderado com as afirmações de pessoas de inegável prestígio e provas dadas, como é o caso de Boaventura Sousa Santos. Tanto mais que, no mesmo artigo, ele refere "Não se pode atribuir tal facto a um tão mau desempenho do governo socialista que os cidadãos pretendam manifestar a sua frustração, votando massivamente no candidato da direita". Pois é, as grandes cabeças também se enganam. Principalmente se se encontram tão distanciadas da realidade, que a sua imagem lhes surge desfocada. Neste caso, um maior envolvimento, um maior contacto metodológico com a dinâmica social, do tipo observação participante, permitir-lhe-ia refrear o vigor da inferência supracitada. E evitar-lhe-ia o erro crasso na conclusão. E também a surpresa e a frustração. Esmiucemos o facto. A subida de Sócrates ao poder deveu-se a um descontentamento de franjas sociais fragilizadas, sujeitas aos ataques de um poder político demasiado conotado com o poder económico, na prossecução de uma estratégia neoliberal de emagrecimento do Estado e, consequentemente dos seus poderes regulador, fiscalizador e redistributivo. Por consequência, houve uma transferência de votos, essencialmente provenientes de uma classe média acossada e de todo um sector de servidores do Estado atingidos nos seus direitos. Essa deslocação de votos sustentou-se na esperança de um arrepio nas medidas reformistas esboçadas e no pressuposto de que a ideologia e a prática socialista nunca as viabilizariam. Sócrates traiu estas esperanças e, neste sentido e para este eleitorado, as medidas encetadas materializaram, de facto, um mau desempenho do governo socialista. Esta frustração foi tão dolorosa que, nas autárquicas, imediatamente a seguir, o PS sofreu uma confrangedora e estrondosa derrota eleitoral. Um investigador na área social deve ler estes sinais como os meteorologistas prevêem o tempo ou os sismólogos antevêem os terramotos. São factos concretos que, associados a outras tendências, prefiguram cenários que sustentam conclusões. No seguimento da continuidade das medidas altamente lesivas da população em causa, grande parte do eleitorado, goradas que foram as suas expectativas, retrocedeu ao ponto de partida e outro dispersou-se por outras candidaturas. Para o Monge, isto não foi uma surpresa. O que o surpreende é que especialistas de renome na área sociológica cometam erros tão flagrantes de análise e mostrem estupefacção perante as circunstâncias. Em quem poderemos confiar então, para que as iniciativas de quem nos governa primem pela equidade, pelo bom senso, pela adequação à realidade? Valha-nos o senso comum, que o outro anda algures, perdido como as mentes dos nossos especialistas. Palavra do Monge.

terça-feira, janeiro 24, 2006

NA BONANÇA
O Monge, sem surpresa, viu confirmados os seus vaticínios acerca dos resultados de uma campanha peculiar. Releu o seu último escrito e foi como se o passado se materializasse aqui e já. Sócrates coabitará mais afavelmente com Cavaco do que coabitaria com Soares. Dizia uma das gralhas da rádio, num dos desaforos costumados, que Sócrates atingiu o seu real objectivo. E que esse objectivo era destruir para reconstruir. O PS, claro. Raciocínio opaco, leviano, como é apanágio das ditas gralhas. Tal afirmação requeriria maior reflexão e comedimento. Pelo absurdo, aceitemos como válida tal inferência. Sócrates arrastaria consigo parte do PS, afirmava a gralha. A sua parte social-democrata. Premissas de sustentação desse raciocínio seriam os factos de Sócrates ter pertencido, num glorioso passado, à juventude social democrata e ao correspondente partido. Mas, afinal, quem é que Sócrates cativaria num tal propósito? O aparelho partidário em exercício efectivo de poder, nas sua complexa rede tentacular. E por quanto tempo o conseguiria? Obviamente, enquanto fosse o rosto desse poder. Um prazo curto de três anos e meio.
Na actual conjuntura, neste interessante cenário pós-eleitoral, o Monge não desdenharia da possibilidade da emergência de um movimento alternativo, mas com fonte diversa: a de Manuel Alegre. Mas não arrisca afirmar a eclosão de um novo partido. Esse movimento deve o seu êxito relativo a dois factores fundamentais:
- O descontentamento indignado de amplas franjas da população face à política discricionária de Sòcrates, ou seja, um segundo e ameaçador cartão amarelo;
- A desilusão em crescendo decorrente de um modelo de prática política que em nada a dignifica.
Se, pouco sensatamente, se pretendesse fomentar a eclosão de uma nova força partidária, o movimento gerado pela candidatura Manuel Alegre perderia toda a sua força geradora inicial e dissolver-se-ia na névoa partidária que pretendeu criticar.
Por isso, o Monge não acredita na alteração do espectro partidário existente. Acredita, isso sim, num sector da população mais activo, vigilante, voluntarioso e com ampla capacidade de intervenção, sufragada e legitimada pelo voto. A bem da democracia, contra a discricionariedade e a injustiça de medidas pouco reflectidas e pouco concertadas.
Que o autismo socrático milagrosamente se esfume. Que o bom senso se insinue nas acções e decisões de quem nos governa. Ah! E que as gralhas migrem. Preferencialmente para o deserto, com bilhete só de ida. Palavra do Monge.

quinta-feira, janeiro 12, 2006

O ERRO DE SÓCRATES - INVOLUNTÁRIO OU INTENCIONAL?
Sócrates marcará, indubitavelmente, a história do PS pelos piores motivos. Os inícios auspiciosos, materializavam-se numa maioria absoluta alicerçada na esperança de que se retrocedesse na política que era apanágio dos governos de Barroso e Santana.
Assumiu poderes de governação e, estrondosamente, ousou fazer o que os seus antecessores tinham pensado mas não ousado. Defraudou, sem dó nem piedade, as expectativas daqueles que nele depositaram elevado crédito de confiança.
O povo não perdoa e, nas autárquicas, não hesitou em mostrar um primeiro cartão amarelo retinto ao governo socrático, numa manifestação claríssima de rejeição das medidas implementadas. Sócrates, numa demonstração de autismo suicida, cego e surdo, incapaz de ler nas linhas o que qualquer outro lia nas entrelinhas, manteve o mesmo rumo obstinado.
A sua estratégia relativamente às presidenciais sempre intrigou o Monge. Sem tacto nem diplomacia renegou Alegre e pressionou Soares. Esfrangalhou o PS e fragilizou a esquerda. Colocou Alegre entre a espada e a parede e Alegre renegou a espada e, habilmente, mas sem esforço, contornou a parede. Avançou com uma candidatura muito peculiar que, por não ser suportada por qualquer aparelho partidário, ganhou credibilidade e margem de manobra.
Quanto a Soares, uma referência democrática, recebeu um apoio armadilhado. Aceitando o apoio de Sócrates colou-se ao governo e às suas impopulares medidas. Nâo cativa grande número dos votos do partido nem os da esquerda remanescente. Necessariamente, não cativará os votos do milhão e tal de servidores de estado e seus descendentes ou ascendentes, vítimas da discricionaridade governamental. É obra! Soares merecia melhor.
Praticamente ofereceu, numa bandeja rosa, a presidência a Cavaco. Ofereceu também oportunidade de mais poder a tudo o que se dissimula na sombra de Cavaco. Fundamentalmente, abriu as portas de par em par, numa escala sem precedentes, à intrusão do poder económico e financeiro na política. É a predição do eclipse progressivo, mas total, do sol que Abril abriu.
O monge continua intrigado. Prefigura-se-lhe que Sócrates, não disse mas pensou. Pensou que a sombra de Cavaco será mais acolhedora de que um Soares presidente, eventualmente incómodo, sempre independente e fiel a uma cartilha de princípios socialistas fundamentais, enunciados claramente em várias obras de referência da sua autoria.
Os próximos tempos apresentar-se-ão foscos, turvos e, porventura, turbulentos. À custa de Sócrates, evidentemente.
Palavra do Monge.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

O ERRO DE SÓCRATES
O monge soube, pelos caminhos ínvios da comunicação social que temos, que o Presidente Sampaio qualificara de corajosas as medidas de contenção socráticas. Habituado como está a saídas menos airosas de elementos da outrora família socialista, que contrariam, pela palavra e pela acção a sua cartilha ideológica, ele já não se admira com o discurso.
De facto, estas medidas e esta postura, as primeiras, de cortes indiscriminados e despudorados sobre trabalhadores do Estado e a segunda, de absoluta e arrogante falta de diálogo e de concertação, nada têm de socialistas e muito menos de corajosas. Portanto, Sócrates não é corajoso, porque assume o poder de forma discriminatória, de acordo com directrizes de uma minoria detentora de grande poder económico, cuja ambição é controlar o poder político, destruir o poder regulador e redistribuidor do Estado e manipular os cidadãos trabalhadores fragilizados a seu bel-prazer. Está sustentado pelo poder económico, apoiado pela comunicação social, no usufruto de um poder político. Desta forma, não lhe custa ser corajoso.
Seria corajoso, isso sim, se afrontasse de peito feito, a actual ofensiva de cariz neoliberal que, após a queda do muro de Berlim, se espraia avassaladoramente por este nosso pobre mundo.
A história não perdoa e a acção socrática ficará indelevelmente nela gravada, não pela coragem demonstrada, mas sim por uma cumplicidade servil, que traz mais estragos que benefícios. Navegar a favor da maré não é um acto de coragem, é uma manifestação de impotência.
A seu tempo veremos que, fragilizando com medidas pouco ponderadas as estruturas do Estado, os portugueses ficarão com piores serviços na Justiça, na Educação, na Saúde. A pessoa mais simples constatará que, reduzindo o quadro de recursos humanos e materiais de um qualquer serviço público, a sua produtividade diminuirá e o cidadão fruidor desse serviço acumulará frustrações. Não sejamos ingénuos: as verdadeiras reformas fazem-se com mais e melhor investimento. As verdadeiras reformas fazem-se com mobilização e implicação dos trabalhadores. Estes precisam de reconhecimento, de dignificação da sua função. E das correspondentes contrapartidas sociais e económicas. Numa era de materialismo o reconhecimento deve ser também material. As palmadinhas nas costas não sustentam ninguém.
O monge torce para que apareça alguém realmente corajoso, com sentido de Estado, impoluto e incorruptível, ponderado e que saiba ouvir, para melhor decidir. Será como tentar encontrar agulha em palheiro. Os verdadeiros heróis, os personagens com currículo e perfil, vão-se sumindo na sombra da sua mortalidade. A humanidade está a ficar orfã. Quantas saudades!
Por agora, enquanto esperamos um improvável milagre, vamos assistindo, ao desfile trágico da vulgaridade, da banalidade, da boçalidade.
O monge sabe, no entanto, que se aproximam tempos em que a crispação social dará lugar à convulsão social. Pessoas verdadeiramente lúcidas já o teriam previsto. A bem ou a mal o equilíbrio e a justiça social serão repostos. O monge acredita que será a mal. Meditemos e não descuremos a acção. Palavra do Monge.