domingo, setembro 30, 2007

QUESTÕES DA BOLA
Madre Teresa de Calcutá - Aguijarro




Viva Santana! Nunca pensei expressar-me deste modo relativamente à dita personagem. No entanto o homem procedeu adequada e dignamente face ao atropelo decorrente de uma patológica busca de audiência.


Coloquemos o futebol no seu devido lugar. Gosto da bola e, em especial, de a ver. No entanto, consigo relativizar a sua importância num lote de prioridades. Reconheço as capacidades profissionais de Mourinho mas não vou muito à bola com a sua maneira de ser.


Fiquei algo chocado quando, na sequência de um daqueles banhos mediáticos com que nos encharcam a paciência, também na sequência daquele banho milionário que o treinador em questão recebeu como prémio pelo seu afastamento, o ouvi dizer, alto e bom som: Agora vou é gozar a vida.


Instantaneamente, estabeleceu-se uma associação nesta minha encarquilhada cabeça. Nada mais nada menos que com outra protagonista do circo mediático recente: Madre Teresa de Calcutá.


Considero-me racionalmente um céptico, embora instintivamente um crente. A crença foge ao controlo da racionalidade, cola-se-nos à mente, tem vontade própria. Agarramo-nos a ela, desesperadamente, tentando encontrar significado para a Vida e dignidade para o Homem. O meu cepticismo diz-me: tu és a besta e ages deterministicamente com tal. A crença murmura: tu és Homem, objecto privilegiado da Criação. O cepticismo clama: o que tiveres de fazer, fá-lo na efemeridade que a vida te permite. A crença acalma-me: Há outra Vida, mais justa e solidária, que dura a Eternidade. O cepticismo aconselha: age. A crença seduz-me: tem Esperança. Um reclama acção, a outra paciência.


Madre Teresa era uma pragmática e, alegadamente, uma crente. Fiquei surpreendido com as notícias dos seus prolongados momentos de escuridão espiritual. Provavelmente, o seu contacto com as misérias e injustiças do mundo do Homem obscurecia a sua crença, como obscurece a minha. Apesar disso, esses momentos de falha de diálogo com o divino nunca esmoreceram os seus desígnios. Talvez contribuíssem, isso sim, para os exacerbar. Afinal, pelo sim ou pelo não, jogando pelo seguro, talvez seja melhor lutar pela felicidade na terra. O resto, depois se verá.


Acontece que a felicidade é um bem escasso. A felicidade de uns passa frequentemente pela infelicidade dos outros. Nesta óptica há necessidade de uma redistribuição mais equitativa. Mera questão económica.


Deste modo, um, o treinador goza a Vida encharcado em milhões, para si. A outra, a Teresa, gozava a Vida mendigando ninharias para os outros. Um, certamente não terá dúvidas e raramente se enganará. A outra deixou obra e seguidores, apesar da dúvida. Esta dúvida é a medida da sua imensurável grandeza.


E, já agora, uma confissão: sou portista desde que me conheço.


Palavra do Monge.


terça-feira, setembro 04, 2007


ESBOÇO

segunda-feira, setembro 03, 2007


A MULHER QUE NÂO SORRI


Mary Cassatt - Jenny and Her Child




Aquela mulher nunca sorri. Ou só sorri em privado e para pessoas do seu círculo restrito. A ausência de sorriso é uma doença. Cada vez menos rara. A ausência de sorriso é uma doença contagiosa. Uma ministra que não sorri constrói muros. Muros altos, com arame farpado em cima e com terra de ninguém a circundar.

Uma ministra de educação que não sorri é um caso complexo. Por que será que não sorri? Achará o sorriso uma perda de tempo? Entenderá o sorriso como uma brecha por onde se insinuará o indesejado abuso da confiança? Ou cortou relação com uma vida inapelavelmente madrasta? Ou o fardo do cargo que ocupa lhe mina inexoravelmente a empatia? Sei lá...

O caso é que eu também deixei, hoje, dia 3 de Setembro de sorrir. O fardo do cargo que ocupo mina-me inexoravelmente a empatia e a simpatia. O caso é que ,quando olho à minha volta, reparo que os meus colegas deixaram, subita mas simultaneamente, de sorrir. As ordens vêm de cima: sorrir é uma perda de tempo, sorrir é um acto excedentário, portanto descartável.

O caso é que para a semana as crianças depararão com um professor carrancudo, que a vida não está para sorrisos. Lavo daí as minhas mãos... o modelo impõe-se hierarquicamente, através de circulares blindadas, protegidas por arame farpado e de via única.

É pena! É tão bom sorrir! E como é bom ser correspondido por aqueles espontâneos sorrisos de criança, tão profundos e tão verdadeiros. Mas, sinceramente, não me apetece sorrir. Há 10 medidas, exactamente 10, não 9, nem 11, que mo impedem.

O sorriso impôe-se-nos, deste modo, como uma espécie em extinção. Quando os educadores deixam de sorrir, mais tarde ou mais cedo as crianças absorvem-lhe a ausência. Mal andará o mundo quando as crianças deixarem de sorrir.

Palavra do Monge