segunda-feira, junho 08, 2009
Tempos de Cólera
OTTO RAPP
O Monge compreende, e assume como manifestação de saúde democrática, por parte do eleitorado, o voto de protesto ontem claramente publicitado. Sublinha que não foi o primeiro sinal do género: as presidenciais já o tinham sido.
Fica, no entanto, perplexo com o sistemático sintoma de autismo social e político de um governo que se ancorou cegamente numa maioria eleitoral que, relembre-se, constituiu, por si só, naquela conjuntura, outro sinal de descontentamento face ao rumo da política nacional e também internacional a qual, inexoravelmente, conduziu a esta crise que, por tão próxima e enjoativamente insinuante, se tornou parte da família.
Voluntarismo extremo poucas vezes é sinal de inteligência e repudia o bom senso que deve, obrigatoriamente, constar do perfil de qualquer político, em particular com responsabilidades governativas.
Este governo constituiu, de facto, uma oportunidade perdida no sentido do bem-estar e coesão sociais. Essa esperança, orientada para uma reorientação das políticas que se vinham implementando, sustentou a maioria absoluta de que beneficiou.
É certo que, uma quinzena depois, já os eleitores, defraudados e infamemente traídos, se tinham arrependido. Não se arrepiou caminho, antes se caminhou, obsessivamente, numa senda geradora de injustiças, desigualdades, atropelo de valores e direitos fundamentais.
Foi uma maioria transfigurada em ditadura, com toda a prepotência, arrogância e ausência de diálogo que a todas caracterizam. Como todas as ditaduras, surda e cega aos sinais da rua, encapsulada na sua armadura do pensamento único e, por conseguinte, antidemocrático.
Há muita amargura e bastante descrença nestas palavras, que constatam a facilidade de abastardamento de um sistema democrático e o estranho determinismo que conduz, irrevogavelmente à penalização das eternas vítimas: as franjas mais desfavorecidas da população, irremediavelmente sujeitas à chantagem e pressão do poder económico, travestido de político.
Trinta e tal anos após Abril, a realidade nua e crua ensina-nos que nunca devemos baixar a guarda e muito menos abster-nos de um direito de participação ou de intervenção que não se deve restringir ao mero exercício do voto.
Como se viu, em quatro anos muito se pode destruir. O retrocesso social pode parecer-nos irremediável. Trinta e tal anos de percurso pulverizam-se num ápice.
Mas. também como se viu, é quase impossível calar a indignação. O povo sai à rua em dias assim. É uma reacção tão natural e espontânea como o fenómeno neo-liberal. É um fenómeno de acção/reacção com a natureza dogmática equivalente à de uma qualquer lei física comprovada.
Pode parecer cansativo ou exasperante, mas a natureza do Homem e das comunidades humanas é esta: um eterno ciclo de parada-resposta, um processo de permanente convecção social.
Caríssimos, tempos mais duros estão para chegar. Se tiveram o cuidado de verificar, a Europa, a tal União, com o sagrado objectivo inicial da paz, do progresso por todos e para todos, esfumou-se com a flagrante viragem à direita do espectro parlamentar europeu. Vêm aí mais precaridade, mais desprotecção laboral dos trabalhadores, mais desemprego e outras chagas neo-liberais.
Por mim, esta Europa é uma fraude, é menos que nada, é um paradoxo, um choque para os seus progenitores.
Por mim, é cerrar os dentes e ir à luta, sem quartel, por nós e, principalmente, pelas gerações futuras, numa intenção de fruição e partilha do progresso tecnológico evidente, que deveria conduzir à qualidade de vida e bem-estar de todos, sem excepção.
Palavra do Monge
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