O Monge tinha desistido dos seus mais ou menos regulares monólogos. De facto, assustou-se com a sua faculdade de antever o futuro. Mais do que isso, aterrorizou-se com a natureza catastrófica do que antevia. Mais do que isso, desanimou face à sua inevitabilidade. Deu como facto consumado a impossibilidade de desviar o fluxo temporal da sua sequência e sentido último. É um tremendo erro existencial.
Deste modo, contemporizou com a natureza determinista de certa visão da História. Claudicou face à crença da intervenção humana e da sua eficácia no sentido de delinear o seu próprio destino. Pois, o Monge é um homem, um homem por ora desanimado e descrente. Não há nada pior do que isso.
Essa descrença acentuou-se quando o Monge se apercebeu da enormidade da intervenção a fazer para desviar o curso dos acontecimentos. O que se pede é uma tarefa monstruosa no que respeita à magnitude dos meios a mobilizar, das vontades a cativar e dos efeitos a obter. De facto, o que se pede é uma autêntica revolução. Uma revolução global, profunda, inevitavelmente sofrida, como o são todas as revoluções. Revolução no indivíduo, nos grupos, nas mentalidades, no modo de ser e de viver.
Impõe-se uma mudança radical no espectro social, apeando protagonistas económicos e políticos. Impõe-se uma mudança substantiva nas interacções do poder e no objectivo último do seu exercício, sempre no sentido de garantir um presente e um futuro de qualidade para as gerações.
Impõe-se a responsabilização de quem contribuiu para este caos, para esta acumulação de injustiças e para um retrocesso concreto, no que concerne ao respeito pelos direitos fundamentais e pela capacidade de os incorporar na sua prática política, económica e social. Impõe-se um efeito dissuasor que evite as consecutivas recaídas de uma sociedade que não aprende com os seus próprios erros, patologicamente incapaz de analisar as suas causas no friso histórico da sua própria existência.
No entanto, há sinais de que vários sectores desta sociedade não se conformam e se assumem como protagonistas da mudança. São bons sinais e um exemplo para o Monge e para a sua súbita apatia. Senão vejamos o que se transcreve seguidamente, noticiado no jornal Público, neste primeiro dia de 2010:
“A humanidade está, como nunca, perante o desafio de renovação de civilização”, palavras de D. José Policarpo na sua homilia do Dia Mundial da Paz, proferida na paróquia de Nossa Senhora da Purificação de Oeiras.
O cardeal patriarca direccionou as suas palavras para os “grandes problemas” que, numa época de globalização, “são comuns a toda a família humana, como o são, por exemplo, a salvaguarda do planeta Terra, a casa onde habitamos, a construção da paz, a vitória contra a violência, a promoção da justiça, de modo particular nos sistemas económico-financeiros e sociais”.
E, se os problemas são globais, também as soluções terão de o ser, considerou, referindo que a opinião pública portuguesa tem sido mobilizada na atenção a problemas específicos: “a crise económica, a violência crescente, a eficácia do sistema judicial, a corrupção, a luta contra a degradação do ambiente”.
D. José da Cruz Policarpo lembrou que estes problemas estão interligados, sendo causa-efeito uns dos outros.
“Administrar a justiça numa sociedade em que as pessoas e as instituições não procuram ser justas é tarefa árdua e complexa”.
A solução para todos estes “graves problemas da sociedade exige uma profunda revolução cultural e civilizacional”, devendo a tónica ser posta na educação, na família, na comunicação social, nas estruturas culturais, na formação para a liberdade.
“Espanta-me que se façam cimeiras sectoriais, sobre a preservação do ambiente, sobre a economia, sobre a crise financeira, e que ainda não se tivesse dado o mesmo relevo a cimeiras de aprofundamento civilizacional”.
D. José Policarpo relevou ainda que “a Igreja é necessária às grandes causas da humanidade” e que, num quadro de globalização, o debate tem de passar por um diálogo entre civilizações, onde a Igreja Católica e as grandes religiões da humanidade têm um contributo a dar.