quinta-feira, novembro 09, 2006


O Fim do Estado de Graça
Não era preciso ser muito perspicaz para intuir que a Saga contra o Estado constituiria o feitiço que se voltaria contra o Feiticeiro. O Monge sempre considerou um paradoxo que se colocasse à frente do Estado quem, de facto e muito explicitamente, o quer destruir. Isto só foi possível com uma imperdoável traição ao eleitorado, consumada numa descarada quebra de promessas. Por isso, o poder foi conseguido com base na mentira e na hipocrisia. E, ainda pior, passou a ser exercido de forma autocrática, rígida, avessa ao diálogo e à concertação. Metodologias muito parecidas com aquela outra senhora de triste memória.
Esse autismo suicida conseguiu aquele prodígio de difícil prognóstico: a unicidade sindical. Só que esta é muito mais letal do que a outra, a dos velhos tempos. É uma espécie de geração espontânea, uma consequência muito física das leis da acção-reacção. Poderemos enunciá-las assim:
-Qualquer agressão determinará uma consequente reacção;
-Essa reacção será, no mínimo, proporcional ao potencial agressivo;
-A escalada de acções/reacções progredirá exponencialmente.
Por consequência, e dada a rigidez negocial manifestada pelo Governo, era tão obviamente inevitável que a indignação extravasasse para fora dos circuitos formais de concertação. A indignação saíu à rua de forma há muito não vista. Isto é tão natural como a própria sede. É uma questão de sobrevivência. Em caso extremo, é guerra declarada, com todos os efeitos nefastos que lhe são inerentes.
Estamos pois em guerra, a qual o Governo finge não ver. O uso e abuso da propaganda governamental através do acesso privilegiado aos media determinaram o recurso a meios de igual potencial mediático por parte dos alvos dessa propaganda. Deste modo se justificam manifestações gigantescas e adesões maciças a greves como aquelas com as quais nos confrontamos. São avisos claros à navegação. São sinais a ter em devida conta.
O estado de graça socrático chegou ao seu termo, concomitantemente com o término do estado de graça da presidência republicana de Bush. Esta alusão não é despropositada. Vejamos um facto recentemente tornado público. Um alegado guru da economia, finlandês por nascimento, debita perante um público de enfatuados e subservientes economistas. Reparemos na sua indumentária: botas texanas, t-shirt e blusão xadrez. Uma ausência de vulto: o típico chapéu de abas largas. Este finlandês não é finlandês, é americano, neoliberal dos quatro costados, costados estes voltados ostensivamente para a tradição da sua Europa natal: a do Estado Social ou do Estado Providência.
É pena. O Monge ficou desiludido. Confiava na criatividade finlandesa. Ingenuamente, não sabia que a Finlândia bebera inspiração num sistema que não é o nosso e que não deve servir de exemplo para ninguém. A não ser que se seja partidário da competitividade sem peias, de um individualismo cego, enfim, das leis darwinistas aplicadas ao social e ao económico. E o nosso governo bebe inspiração na mesma água infectada. Palavras para quê!
O Monge não vai por aí. Mas fica satisfeito com o toque a finados do estado de graça socrático. E também do de Bush, pois isso só lhe fica bem.
Palavra do Monge.

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