sábado, outubro 27, 2007





200 000








Houve festança na corte. A Nova Aristocracia reuniu-se com grande ritual e espalhafato, divulgado e ampliado pelos Novos Truões, disseminando vozes, imagens, escritos e muitas balelas sem sentido. Bailou-se a valsa, o corridinho e outras danças de costumes. Relampejou foguetório a rodos. Por entre pulos e aplausos, o champanhe escorreu, saciando espíritos insaciáveis.


Digamos que tal desvario se justificava. A soberana azul, coroada de estrelas, tantas que o peso da coroa se tornava desmesurado, tinha parido. Tinha parido um amoroso Tratado, rechonchudo como todos os filhos de boas famílias, mas que não chorou ao nascer, ciente do seu sigiloso destino. Veio ao mundo com todas as boas qualidades da elite cortesã: era dotado de uma ilimitada mobilidade, incomum para tão precoce idade, mas necessária para que gente estranha e menor não satisfizesse a sua indesejada e inoportuna curiosidade; era precário porque, na verdade, ninguém acreditava na capacidade para se perpetuar e era polivalente porque, de facto, satisfazia a todos e a nenhum.


Enquanto no Paço se esbanjavam porreirices, lá fora, o terceiro e último estado, esquecido e descrente, dava vazão ao seu descontentamento ressentido. Não valsava e o corridinho era outro. Baldava-se para o recém nascido, pois augurava que nunca o viria a conhecer. E não se pode amar, nem sequer aprender a gostar do desconhecido. A crença, por aqueles lados, era mortiça ou inexistente e a desconfiança um modo de estar, uma defesa contra promessas que tinham o infame costume de se transfigurar em mentiras e medidas acriteriosas e sempre penalizadoras.


E assim estavam as coisas naquele reino, por instantes tornado no centro do Mundo e na sua cruenta imagem.


Não te amofines. Tudo está porreiro, pá!


Palavra do Monge

segunda-feira, outubro 15, 2007




LEMBRAR ADRIANO


Cantar de Emigração



Este parte, aquele parte

e todos, todos se vão

Galiza ficas sem homens

que possam cortar teu pão.


Tens em troca órfãos e órfãs

tens campos de solidão

tens mães que não têm filhos

filhos que não têm pai.


Coração

que tens e sofre

longas ausências mortais

viúvas de vivos mortos

que ninguém consolará.
Adriano Correia de Oliveira
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Adriano Maria Correia Gomes de Oliveira nasceu em Avintes, em 9 de Abril de 1942. Aí se iniciou no teatro amador e foi co-fundador da União Académica de Avintes.

Cursou Direito na Universidade de Coimbra, tendo sido repúblico na Real Repúbica Ras-Teparta. Pertenceu ao Orfeão Académico de Coimbra, como solista, e fez parte do Grupo Universitário de Danças e Cantares e do Círculo de Iniciação Teatral da Académica de Coimbra.

Foi guitarrista no Conjunto Ligeiro da Tuna Académica. O seu primeiro disco, "Fados de Coimbra", saiu em 1963. Dele fazia parte a balada Trova do Vento que Passa, com poema de Manuel Alegre,que rapidamente se tornou um símbolo da resistência estudantil à ditadura salazarista.
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Cantar de Emigração insere-se na obra Cantaremos, editada em 1970.

Morreu no dia 16 de Outubro de 1982, com quarenta anos, na sua terra natal. Passados serão 25 anos. Amanhã.