O Monge andava intranquilo, ensimesmado, arredio. Se ascético era, mais ascético ficou. Afastou-se das lides da escrita com a sensação que tudo aquilo que escrevia, vade retro, assumia inexorável realidade.
Mas, a acrescer a esta espécie de psicose, um sintoma de uma virose pandémica e incurável se manifestou. Intrusivo, invadiu-lhe um órgão nestes novos tempos muito pouco activo, comparável ao malfadado apêndice ou às desconfortáveis amígdalas: a consciência. O Monge partilhava a teoria que, com o desuso, o órgão fina-se. Enganou-se.
O dito órgão não se finou. Pelo contrário, com regularidade crescente, aferroava-lhe a alma e o corpo. Tudo por causa de umas prendas, umas reles mas corruptivas prendas.
O Monge pensava que não devia aceitar as ditas mas, devido ao seu peculiar modo de ser, respondia com cortesia à cortesia. Afinal, era má educação recusar uma prenda. Mas também era corrupção aceitá-la. E o Monge aceitou.
Aceitou um coelho vivo, numa cestinha de verga que, na primeira janela de oportunidade, se pisgou lampeiro, para a segurança do seu ambiente natural.
Aceitou uma caixa de bolachas, que não pôde comer, devido a uma impertinente restrição médica.
Aceitou umas garrafitas de vinho generoso, de cujas delícias não pôde desfrutar, por ser abstémio.
Aceitou uns chocolates, deliciosos, dos de marca, suiços, que se derreteram num ápice, devido à temperatura estival à data do crime.
Nunca falou disto a nínguém, nem antes, nem muito menos agora, quando jorram retaliações terríveis contra infames actos ditos de corrupção.
Mas, precisamente neste dia, veio a saber que, afinal, sempre se podem aceitar prendas. E que os valores das mesmas têm limites. E que visam premiar a excelência do serviço prestado.
Fazendo bem as contas, o Monge foi lesado. Afinal as prendas, de que verdadeiramente não usufruiu, estavam abaixo do limite legalmente consignado. O facto é que, literalmente, o Monge foi roubado.
Apesar disso, congratula-se o Monge. A sua consciência, subitamente, arejou e perdeu peso. Veio a saber também que pode, eventualmente, circular entre serviços. Tudo para evitar uma viciante e ilícita familiaridade com o público que serve. Nada de confiança, que o público é dotado de uma aviltante capacidade de corromper.
A mobilidade será, sem possibilidade de contra-argumentação, benfazeja e até factor de produtividade. Imagine-se: o autarca X a rodar para a autarquia Y; o deputado Z a mudar para a bancada f. o vereador h a mudar para a oposição. O primeiro ministro do partido S a rodar para o partido D. Desculpem, isto já acontecia...
Poderemos, evidentemente, ser confrontados com situações algo inusitadas. O Presidente da Câmara a fazer serviço de recepcionista. O recepcionista a fazer serviço de supremo autarca municipal. Apesar do insólito, convenhamos que a medida é oportuna. E, em termos de produtividade dos serviços será de uma eficácia sem contestação.
A bem da Nação, abaixo a corrupção doentia no funcionalismo. No público, é claro!
Afinal, as desejadas medidas cá estão. Nada de prendas e nada de contacto promíscuo com o público. Cravinho, volta, estás reabilitado.
Ah! Esquecia-me. Aquelas idas e vindas, na Caixa Geral Geral de Depósitos, que o Monge, na sua santa ingenuidade, tomava por idas aos sanitários, devidamente assinalados com Caixa Azul, ou algo do género, vão acabar. Agora é papelinho numerado para todos.
(Sanitários, valha-te Santa Luzia! Sempre as mesmas pessoas e sempre com a mesma diarreia. Sinceramente... Parvo!)
Contra a corrupção, sempre.
Palavra do Monge
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