As gralhas da rádio e o homem endeusado
De vez em quando o Monge houve rádio, assim como, de vez em quando, lê jornais e vê televisão. Já o fez com mais frequência, admite-o. Por vezes, o Monge preocupa-se com esta sua postura perante a comunicação social. Mas, após ligeira meditação terapêutica, voluntariamente remetido a locais de altitude e isolamento aconselháveis a tal actividade, reconheceu a origem de tal comportamento, aparentemente fora do vulgar. O que ele faz é psicologicamente considerado como uma atitude de auto-defesa contra uma espécie que, devido a intervenção irreflectida do Homem sobre o seu habitat natural, tem proliferado de forma inusitada: as gralhas da rádio.
O Monge tem tanto azar que, quando liga a sua frequência habitual, lá estão as citadas gralhas, com o seu grasnido arrepiante. Falam de tudo. Nada escapa ao seu vozear esganiçado. Menos a gripe das aves. Desta vez, a postura de auto-defesa é a delas. Pois não vão veterinários zelosos colocá-las de quarentena, ou usar metodologias mais drásticas e danosas da sua integridade física.
Pior que o comentário individual de uma destas gralhas, programado ao cronómetro, é uma conversa em família. Eles são gritos, gargalhadas, ditos pretensamente espirituosos, voláteis na sua superficialidade, parciais monólogos colectivos, de uma miopia reducionista que mete dó.
Eis que aconteceu a apresentação de um determinado candidato presidencial, no culminar de um tabu tão prolongado que deixou de o ser.
Pois não é que as citadas gralhas, pousadas em bando no costumado programa radiofónico, desatam a bajular desavergonhadamente o dito? Pois digo-vos que o Monge gargalhou sozinho como já há muito não o fazia.
O discurso da apresentação do candidato foi curto, repetitivo e pouco sumarento. É uma marca, um estilo, que advém, para um analista traquejado, de uma perspectiva social de vistas curtas, limitada doentiamente a uma abordagem exclusivamente económica e, para além disso, passível de crítica, mesmo no âmbito da disciplina em causa.
As gralhas da rádio, afinando bicos pelo mesmo diapasão, endeusaram o homem e o discurso. Conseguiram encontrar sentidos onde não os havia. Esgravataram projectos em nenhures. Técnicas geniais de engenharia publicitária foram aplaudidas na sobriedade do discurso. Corroboraram assim, implicitamente, uma estratégia especializada na arte do convencimento, da persuasão, da sugestão, para venda de um produto, desprezando uma fase tão importante como a do controlo da qualidade do conteúdo. Táctica errada. Coloca as pessoas na retranca. Elas querem um presidente autêntico, não um publicitário.
Para um ouvido crítico, distanciado, descomprometido, esta algaraviada unidireccional é simples ruído. Mas dá demasiado nas vistas e não abona em favor da antena em causa. Por favor, seleccionem os vossos comentadores. Apliquem o critério da excelência tão apregoado. Pugnem por uma autêntica meritocracia. Dêem uma sacudidela nos escrúpulos ambientais e ecológicos e sacudam, desalojem, deslocalizem as vossas gralhas. Mas não as deponham nos lugares de altitude e isolamento adequados à meditação transcendental do Monge. Poupem-no. Palavra do Monge.
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