Dicas para um trabalho de reconstrução social, de resposta à crise originada pela deriva à direita de má memória.
"1º-Reconhecimento da centralidade do papel do Estado. O termo 'Estado estratega' foi já utilizado para caracterizar o que agora, mais do que nunca é necessário: um Estado que em nome de prioridades públicas reassume o controlo de sectores estratégicos, se responsabiliza pela provisão de serviços públicos e pela gestão do território, e que utiliza os meios de que dispõe para incentivar e orientar o investimento privado. Entre nós é urgente compreender que a redução dos défices e das dependências externas, que efectivamente crescem a taxas alarmantes, depende de uma reorientação do investimento privado dos sectores abrigados da concorrência internacional, para a produção de bens transaccionáveis, exportáveis e capazes de substituir importações. Em Portugal é preciso contrariar a livre circulação de pessoas, bens e capitais entre o público e o privado; é preciso separar serviço público de negócio privado.
2º-Valorização do serviço público. “O nosso País não está condenado a escolher entre serviços decadentes e burocratizados, de um lado, e a erosão do Estado conduzida segundo a ideologia gestionária da modernização, do outro”, disse Jorge Bateira. Existem outras modernizações possíveis que respeitem os funcionários do Estado e os vejam como pessoas que podem e querem valorizar-se e ser actores de mudança. Reformas que começam por ouvir aqueles que são os rostos da Administração Pública e os cidadãos. Modernizações que, sem reduzir os servidores do Estado à condição de oportunistas e egoístas, nutram os valores característicos da ética de serviço público.
3º-Combate à desigualdade pela valorização do trabalho. A provisão pública de serviços aos cidadãos é apenas um dos instrumentos do combate às desigualdades. O caso português, como tantos outros, é ilustrativo das limitações das políticas sociais meramente reparadoras. A par das políticas reparadoras é necessário desmercadorizar o trabalho. Reconhecer que a repartição do rendimento depende de instituições sociais e de políticas. Que toda a legislação que regula as relações de trabalho, a par das políticas macroeconómicas que podem estimular mais ou menos o emprego e orientar melhor ou pior o investimento, são determinantes fundamentais da repartição primária. Isto é tanto mais importante quanto o desemprego e a exclusão deixaram já de ser os únicos mecanismos geradores de pobreza e o próprio sistema produtivo voltou a produzir, a par de mercadorias, trabalhadores pobres."
José M. Castro Caldas, in Ladrões de Bicicletas
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