quarta-feira, outubro 04, 2006

William-Adolphe Bouguereau
Revolta-te
Na véspera do Dia do Professor, o Monge julga pertinente realçar algumas citações de António Nóvoa, sobre a condição do exercício actual da docência. Para que os professores aliviem um pouco o seu fardo e para que a sociedade e famílias aliviem a inaceitável pressão que exercem sobre docentes e escolas, conducentes a um ambiente hostil, crispado, incompatível com a serenidade indispensável ao acto de educar. Para que se dê azo à reflexão e que se perspectivem as consequências de uma política autocrática, sem sustentação pedagógico-científica. Para que famílias e sociedade assumam definitivamente a sua quota parte de responsabilidades no processo educativo, de forma ponderada, concertada, voluntariamente alheados a pressões externas mal intencionadas.
"... a escola está sufocada, esmagada, por um excesso de missões."
"Atribuiram-se demasiadas missões à escola e esse é um dos seus maiores dramas."
"Tudo com base no princípio despropositado de que a escola tem de ser abrangente, transversal e capaz de dar resposta a todos os problemas familiares e sociais. Isto é um delírio."
"Defendo que as crianças só devem estar na escola durante o tempo estritamente necessário e que este deve ser usado, de forma exigente, rigorosa e eficiente."
"...a escola deve ser a tempo inteiro apenas durante o tempo que é da escola."
"Já considero um erro colossal a concepção de escola a tempo inteiro como espaço dirigido às actividades de entretenimento, recreativas e de guarda de crianças. Estas missões são da responsabilidade das famílias e da sociedade."
"Os pais devem ser chamados a avaliar o trabalho das escolas mas não o desempenho profissional dos professores."
Notícias Magazine, 30 de Julho de 2006
"É verdade que os professores foram co-responsáveis por esse "discurso do excesso". Com a sua conivência alimentou-se um mito que lhes concedia o papel de salvadores e redentores da humanidade. Hoje essas imagens viram-se contra eles e são usadas para responsabilizá-los pela crise da escola."
"Eu creio que os professores podem e devem exigir duas coisas absolutamente essenciais que são:
· Uma, é calma e tranqüilidade para o exercício do seu trabalho, eles precisam estar num ambiente, eles precisam estar rodeados de um ambiente social, precisam estar rodeados de um ambiente comunitário que lhes permita essa calma e essa tranqüilidade para o seu trabalho. Quer dizer, não é possível trabalhar pedagogicamente no meio do ruído, no meio do barulho, no meio da crítica, no meio da insinuação. É absolutamente impossível esse tipo de trabalho. As pessoas têm que assegurar essa calma e essa tranqüilidade.

· E, por outro lado, é essencial ter condições de dignidade profissional. E esta dignidade profissional passa certamente por questões materiais, por questões do salário, passa também por boas questões de formação, e passa por questões de boas carreiras profissionais. Quer dizer, não é possível imaginar que os professores tenham condições para responder a este aumento absolutamente imensurável de missões, de exigências no meio de uma crítica feroz, no meio de situações intoleráveis, de acusação aos professores e às escolas."

Por conseguinte, o Monge extrai algumas conclusões:
  • No excesso de missões que cada vez mais se atribuem às escolas estará uma das razões do propagandeado insucesso escolar;
  • Que as recentes medidas educativas irão contribuir para o acréscimo de instabilidade na estrutura educativa e, consequentemente, para o insucesso escolar;
  • Que as actividades extracurriculares constituem, de facto, uma das missões sem sentido da escola porque visam, prioritariamente, ocupar as crianças face à desvinculação das famílias da sua responsabilidade de educadores;
  • Que os professores pecaram por aceitação resignada da sobrecarga de funções sucessivamente atribuídas;
  • Que o ambiente agora criado e gerado pela instituição de tutela só prejudica o funcionamento do sistema educativo e a acção docente;
  • Que o ataque acérrimo e continuado ao estatuto do docente em nada contribui para restaurar a dignidade profissional, entendida com uma variável essencial à motivação dos docentes e, consequentemente, com repercussão negativa na eficácia da sua acção e no sucesso escolar dos seus alunos.

Pois cá o Monge augura maus momentos para a educação em Portugal em tempos próximos. Mas que se imputem responsabilidades a quem de direito. Professor, faz o teu melhor. Mas insurge-te, revolta-te, dá corpo à tua justa indignação. Ao fim e ao cabo, fazendo-o, estás a contribuir para que não se hipoteque o futuro das próximas gerações.

Palavra do Monge

2 comentários:

ocontradito disse...

A Escola existe num edifício e num espaço. Esse edifício e espaço pode e deve partilhar com a Escola outras funções (as tais de entretenimento e guarda).
Não tem lógica encerrar esse espaço às 15.30 e mandar as crianças para as ruas ou para um apartamento encafuado com a denominação de ATL até aos pais as poderem assumir.
Mandar as crianças para casa não as coloca mais tempo com a familia...

ocontradito disse...

O Monge tem razão, na generalidade, mas, insisto:
As Escolas dão lugar a Polos Educativos.
As Escolas são tudo o que refere.
Mas os Polos Educativos são mais do que as antigas Escolas.
São locais onde as crianças podem complementar a sua educação e fazer tudo o que devem fazer para além do que fazem nas Escolas.
Se essas actividades são desenvolvidas num espaço desportivo, numa biblioteca, na sala de informática ou no recreio, melhor.
Não na sala de aula que referiu...
Noutros espaços do Polo Educativo onde todas as crianças possam usufruir de diversidade de experiências, de locais diferentes para as mesmas e espaço para a sua privacidade e individualidade.
Estamos a formar crianças, não a criar galinhas.

Que mal terá uma sociedade competitiva? Se é essa sociedade que permite o crescimento de recursos disponíveis?
É preciso é que seja competitiva mas também justa. Não igualitária. Justa.

É esta sociedade que OContradito persegue. Espera que o Monge também o faça, pois os objectivos são idênticos.
Um abraço do OContradito.