terça-feira, julho 26, 2005


JANELAS SEM TINO

Foste tu predestinado,
Fadado por nascimento,
A construir mil janelas
Viradas para qualquer lado.

O quarto escuro, sombrio,
onde acordaste, num brado,
Era gelado, tão frio,
Sórdido cárcere limitado.

Abriste janelas sem tino,
Num acesso de cegueira,
Foste delimitando o destino,
com seteiras na fronteira.

Aprendeste com os enganos,
Ou não aprendeste, afinal?
Por muitos que sejam os danos,
Errar, sendo humano, é natural.

Janelas para as traseiras
São pequenas, limitadas,
Restringem tua visão.
Janelas para a frontaria,
Dão-te o mundo em colisão
No confronto do dia-a-dia.

Janelas grandes ofuscam
O brilho do teu olhar.
Janelas pequenas demais
Não te deixarão ver o mar.

Tu vais abrindo janelas
Mas outras vais querer fechar.


Umas mostram-te a rude vida
Em tons negro e cinzento.
Outras abrem-se, em seguida,
Na cor mágica de um momento.

Tu abres janelas para fora,
Tu abres janelas para dentro,
Poderás, a qualquer hora,
Reflectir teu sentimento.


Tu vais abrindo janelas
Mas outras vais querer fechar.

Não feches tuas janelas
Produto de tal labor.
Quererás voltar a elas
Para te lembrares do sabor.

Tu vais abrindo janelas
Mas outras vais querer fechar.
Não feches tuas janelas,
Não te vá faltar o ar...

O Monge

terça-feira, julho 19, 2005

A criança aprisionada: um novo paradigma social

Há uma coisa que anda a ruminar na mente do Monge. Há uma constatação que o preocupa e que devia preocupar paizinhos, professores e a todos os que detêm responsabilidades educativas, nomeadamente aqueles que tomam as ditas grandes decisões: os políticos da nossa praça. O termo "ditas" é uma prova da desfaçatez do Monge. De facto, a este nível, não existem pequenas decisões, porque qualquer decisão pode provocar grandes consequências. Pais, políticos e outros intervenientes na educação das nossas criancinhas decidem, agem, mas, por qualquer motivo que nos escapa, não medem as consequências. É o eterno problema da matemática, que não é apenas deste tempo, mas que atinge, de forma endémica, as gerações antecessoras.
Outra prova da desfaçatez do Monge é, se bem repararam, a não inclusão dos professores na enumeração dos não medidores de consequências. Tais seres, os incompreendidos, os silenciados, os estigmatizados do sistema, há muito que compreenderam a problemática, pois dominam a matemática dos afectos, das relações, das motivações, das dores, dos contentamentos das crianças e jovens destes tempos atribulados. Estão na linha da frente, vivem nas trincheiras, pugnam anonimamente, carentes de recursos e de estímulos, pelo futuro das gerações.
O Monge sabe que eles estão preocupados. O Monge sabe que as crianças de hoje são crianças aprisionadas, física e psicológicamente. Matemáticamente, é extremamente provável o encarceramento de uma criança desde os três meses de vida extra uterina. A partir desse momento, a criança passará a maior parte do seu tempo, praticamente enclausurada em creches, jardins, escolas, ATL's. Tudo isto com a franca adesão dos pais. Pais cuja principal característica é a ausência. De tal modo que, matemáticamente falando, quem detém a quase omnipresença junto das crianças de hoje são os ditos seres incompreendidos, a população das trincheiras, os silenciados, os anónimos, em suma: os professores.
O grande dilema da educação contemporânea está aí: poderão os professores, mesmo que armados com o seu saber, a sua dedicação, a sua experiência, substituir os pais, inevitável e definitivamente ausentes. A resposta é imediata: um rotundo não. Uma infância vivida exclusivamente num meio colectivo, dispersa afectividades, perturba a apreensão do real, despoja a criança de momentos privados de fruição e consolidação de afectos, de cognições, de partilha. É uma vida em ruído. E as crianças precisam de momentos de sossego, de serenidade, de paz. A família é esse lugar e aos pais compete essa responsabilidade. E o Monge acusa: os pais ausentes de agora fogem às suas responsabilidades. As consequências da sua ausência em momentos cruciais da vida dos filhos estão a ser marcantes na determinação do perfil do cidadão e na natureza da sociedade. A sua ausência de hoje marcará decisivamente o futuro dos seus. Palavra do Monge.

terça-feira, julho 12, 2005

O MONGE
Em cavadas arcadas
Dois luzeiros se incendeiam.
Olhos duros, profundos,
Cansados de ver mil mundos.
Contrárias emoções ateiam.
E no fundo,
Aquela chama, crua, coruscante,
É o facho, o testemunho,
De uma alma viajante,
Sempre ávida de ver mundo,
Sempre ébria por ver gente.

segunda-feira, julho 11, 2005

A respeito de porcas e bacorinhos

O Monge gosta de estar informado, o que é coisa difícil nesta era conturbada, em que a verdade não vale peva. Céptico como sempre, o Monge reconsidera, reavalia, lê nas entrelinhas. E ele sabe. Sabe que a verdade se transfigurou. É um mero títere, feito à medida dos Manipuladores: amachucada, pisoteada, contorcida. Tem uma função, já não é uma finalidade. Foi desclassificada: é um instrumento, um meio, uma ferramenta em segunda mão.
O Monge já desconfiava do absolutismo da Verdade. Era por ele assumido que ela é sempre relativa e, para além disso, subjectiva. Obra preciosa da joalharia, era talhada à medida de cada qual, reflectindo as cores do mestre ourives. Adquiria assim brilhos inesperados, sempre diversos, mas não se despia da sua natureza estética e ética. Nem se despojava de elementos fulcrais, essenciais, que permitiam, apesar de tudo, um acordo, um compromisso, acerca da parcela da realidade que irradiava.
O facto que o Monge vai relatar inserir-se-á, no seu entender, neste segundo aspecto da verdade, menos sórdido do que o primeiro, merecendo aquele uma abordagem em posteriores reflexões.
O Monge leu. Leu uma história com trejeitos de literatura infantil, com porca e bacorinhos à mistura. E com os inevitáveis veterinários. A história não era tão inocente como isso. Pois a porca, gorda, bem nutrida, seria o Estado. Os bacorinhos seriam os diversos sectores do funcionalismo público. No entender do talentoso escritor, vocacionado para o entretenimento das nossas preciosas criancinhas, a porca era gorda de mais, provavelmente obesa, e os bacorinhos demasiado ávidos. E, pressuroso, logo o dito escriba alvitra a solução: que se chamem os veterinários.
É evidente que os veterinários, neste caso, só podiam ser os economistas que, com mezinhas cuja fórmula só eles conhecem, emagrecerão a porca e, por consequência, os bacorinhos, também eles candidatos a uma obesidade precoce.
Pois é. O citado e habilidoso escritor pecou. Pecou por nebulosa Visão (o uso do homónimo é mera coincidência). Esqueceu-se que os ditos bacorinhos, para além da sua racionada refeição, prestam serviços considerados fundamentais. Se a porca emagrece, os serviços emagrecem. E o escritor emagrece consequentemente, pois é um fruidor dos melhores ou piores serviços dos bacorinhos. Se os bacorinhos são aleitados, são-no por direito próprio, pois o direito à vida e à sua qualidade é fundamental. De facto, qualquer cidadão português é um bacorinho, embora muitos rejeitem a maternidade. Todos sugam da mesma mãe porcina. E tenho a certeza de que alguns dos rejeitadores sorvem a grandes goles, ultrapassando largamente a ração a que tinham direito.
O literato em causa esquece-se que, na sua qualidade de bacorinho rejeitador, usufrui duplamente do serviço dos bacorinhos públicos. Dos seus serviços directos e das suas contribuições para a melhor saúde da mãe porca, que eles cumprem integral e religiosamente.
Não fogem, não têm meios de evasão. São santos, pois fazem milagres. São alimentados e alimentam. Alímentam, como filhos exemplares, a sua mãe que, por sua vez alimenta os bárocos rejeitadores e ingratos. Estes, para além de fugirem à sua obrigação filial, vulgo fiscal, ainda defendem o emagrecimento da sua ascendente directa.
Tamanha incongruência é sinal de miopia ou de má intenção. O Monge recomenda uma consulta da especialidade ao douto literato, acompanhada de devida contrição. Quanto aos veterinários, que o demónio seja surdo e cego. Se a porca porventura está doente, morreria necessariamente da cura. Que a Verdade esteja sempre convosco. Palavra do Monge.

terça-feira, julho 05, 2005

Reclassificação taxonómica

Emergem indícios que estamos perante uma descoberta científica sem paralelo. O Monge perspectiva que Lineu bem gostaria de viver este momento inigualável. Com o seu reconhecido talento, espírito metódico, conhecimento e experiência seria, sem dúvida, contributo de vulto para destrinçar esta ocorrência, que constituirá motivo de aceso debate e de muita e continuada especulação no seio da comunidade científica.
E realmente o caso não é para menos. Estamos perante o despontar de uma nova espécie, ou subespécie, do género Homo. Especialistas em sistemática animal alvitram novas designações, a necessitar daquele consenso que esbata as dissonâncias reinantes.
Uns propõem a designação genérica Homo horribilis, outros, a de Homo economicus (vulgo Economistas). Existem dúvidas em utilizar a classificação trinominal (Homo sapiens horribilis ou Homo sapiens economicus), devido a contradições no seu comportamento em laboratório, quer em situações de observação individual, quer quando integrados no seio do grupo. Das comunicações a muito custo saídas do espartilho da comunidade científica, poderemos depreender que as atitudes e comportamentos analisados carecerão da indispensável coerência e racionalidade que permitam o uso da dita classificação.
Passaremos a adoptar a designação corrente (Economistas), visando poupar o confronto do leitor com a extensão e complexidade da designação científica . Os dados conhecidos a respeito dos Economistas permitem-nos aludir a três características específicas, a saber:

1. Um ego inflacionado, que pode conduzir a atitudes ou comportamentos que sobrevalorizam o seu verdadeiro papel num grupo ou organização;

Nota: Aponta-se como corolário desta constatação o facto de aceitarem, sem rebuço, o epíteto de Notáveis.

2. A auto assunção, geradora de posturas e acções consequentes, de três atributos fundamentais:

- a omnisciência, que lhes permite discorrer sobre qualquer tema ou assunto, sem intervenção da auto consciência, superego ou qualquer tipo de censura interna, que é tida como comum aos outros espécimes;

- a omnipresença, que é a capacidade de saturar os meios de comunicação com as suas intervenções constrangedoras;

- a omnipotência, determinada pela presunção convicta de que são detentores de poder ilimitado. Acrescenta-se que este tipo de patologia é extremamente perigoso, pois pode conduzir a situações de domínio no interior de grupo de pertença, passíveis de causar crispação, convulsão ou mesmo oposição reactiva do tipo agressivo.

3. Uma evidente incapacidade de auto avaliação, impeditiva da análise de actos por si cometidos e da consequente responsabilização individual. Reparemos nos casos, recentemente vindos a público, de três espécimes desta natureza que, assumindo em devido tempo funções relevantes do foro económico em vários governos anteriores, criticam a actual conjuntura económica em termos depreciativos. De facto, estão fisiologicamente incapacitados de reconhecerem a sua participação em actos e decisões conducentes à dita.

4. O emprego obsessivo/compulsivo de terminologia característica, de que se salientam as seguintes expressões:

"Trabalhar mais"; "Diminuição de Pessoal", "Acabar com o emprego vitalício"; "Reduzir prestações"; "Aumentar a idade da reforma"; "Menos benefícios"; "Congelar vencimentos", "Baixar a taxa do IRC".

O Monge não pode deixar de se congratular por esta contribuição imprevista e inusitada para o enriquecimento do Reino Animal. No entanto, recomenda uma vigilância discreta, mas aturada, dos referidos espécimes e das suas acções. A sua reeducação seria estratégia a prosseguir. Para o bem deles e também para o de todo o género Homo. Palavra do Monge.