O Monge gosta de estar informado, o que é coisa difícil nesta era conturbada, em que a verdade não vale peva. Céptico como sempre, o Monge reconsidera, reavalia, lê nas entrelinhas. E ele sabe. Sabe que a verdade se transfigurou. É um mero títere, feito à medida dos Manipuladores: amachucada, pisoteada, contorcida. Tem uma função, já não é uma finalidade. Foi desclassificada: é um instrumento, um meio, uma ferramenta em segunda mão.
O Monge já desconfiava do absolutismo da Verdade. Era por ele assumido que ela é sempre relativa e, para além disso, subjectiva. Obra preciosa da joalharia, era talhada à medida de cada qual, reflectindo as cores do mestre ourives. Adquiria assim brilhos inesperados, sempre diversos, mas não se despia da sua natureza estética e ética. Nem se despojava de elementos fulcrais, essenciais, que permitiam, apesar de tudo, um acordo, um compromisso, acerca da parcela da realidade que irradiava.
O facto que o Monge vai relatar inserir-se-á, no seu entender, neste segundo aspecto da verdade, menos sórdido do que o primeiro, merecendo aquele uma abordagem em posteriores reflexões.
O Monge leu. Leu uma história com trejeitos de literatura infantil, com porca e bacorinhos à mistura. E com os inevitáveis veterinários. A história não era tão inocente como isso. Pois a porca, gorda, bem nutrida, seria o Estado. Os bacorinhos seriam os diversos sectores do funcionalismo público. No entender do talentoso escritor, vocacionado para o entretenimento das nossas preciosas criancinhas, a porca era gorda de mais, provavelmente obesa, e os bacorinhos demasiado ávidos. E, pressuroso, logo o dito escriba alvitra a solução: que se chamem os veterinários.
É evidente que os veterinários, neste caso, só podiam ser os economistas que, com mezinhas cuja fórmula só eles conhecem, emagrecerão a porca e, por consequência, os bacorinhos, também eles candidatos a uma obesidade precoce.
Pois é. O citado e habilidoso escritor pecou. Pecou por nebulosa Visão (o uso do homónimo é mera coincidência). Esqueceu-se que os ditos bacorinhos, para além da sua racionada refeição, prestam serviços considerados fundamentais. Se a porca emagrece, os serviços emagrecem. E o escritor emagrece consequentemente, pois é um fruidor dos melhores ou piores serviços dos bacorinhos. Se os bacorinhos são aleitados, são-no por direito próprio, pois o direito à vida e à sua qualidade é fundamental. De facto, qualquer cidadão português é um bacorinho, embora muitos rejeitem a maternidade. Todos sugam da mesma mãe porcina. E tenho a certeza de que alguns dos rejeitadores sorvem a grandes goles, ultrapassando largamente a ração a que tinham direito.
O literato em causa esquece-se que, na sua qualidade de bacorinho rejeitador, usufrui duplamente do serviço dos bacorinhos públicos. Dos seus serviços directos e das suas contribuições para a melhor saúde da mãe porca, que eles cumprem integral e religiosamente.
Não fogem, não têm meios de evasão. São santos, pois fazem milagres. São alimentados e alimentam. Alímentam, como filhos exemplares, a sua mãe que, por sua vez alimenta os bárocos rejeitadores e ingratos. Estes, para além de fugirem à sua obrigação filial, vulgo fiscal, ainda defendem o emagrecimento da sua ascendente directa.
Tamanha incongruência é sinal de miopia ou de má intenção. O Monge recomenda uma consulta da especialidade ao douto literato, acompanhada de devida contrição. Quanto aos veterinários, que o demónio seja surdo e cego. Se a porca porventura está doente, morreria necessariamente da cura. Que a Verdade esteja sempre convosco. Palavra do Monge.
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