A EXTORSÃO DE DIREITOS ADQUIRIDOS
O Monge anda, desde há algum tempo, agitado, nervoso, irrascível. Está na sua maneira de ser reagir contra qualquer tipo de injustiça. Por isso, não podia deixar de arremessar a sua palavra contra o destempero de um governo que sonega direitos a um sector da população activa que tem sido o bombo da festa nos últimos anos: os funcionários públicos.
Falemos claramente. Estes trabalhadores são os agentes que contribuem para o funcionamento do Estado. Mais do que isso, asseguram a concretização das medidas do Estado Social, uma emergência preciosa da organização social europeia do pós guerra. Este Estado Social tem como uma das suas missões assegurar serviços a toda a população, particularmente àqueles que não vislumbram uma nesga de oportunidade na melhoria da sua qualidade de vida. O Estado consegue isso assumindo-se como entidade mediadora e reguladora, dotando-se da autoridade e dos meios que assegurem uma adequada redistribuição da riqueza. Os funcionários públicos vêm assim justificada a sua inegável função social.
Foram-lhes, num ápice, extorquidos direitos adquiridos, a saber: alterações na progressão da carreira e na idade da reforma. E tudo isto, por um governo socialista que, sem quaisquer tipo de escrúpulos visíveis, renega expeditamente a sua vocação social. O Monge presenciou e avaliou os aplausos generalizados a tais medidas. Não ficou surpreso, pois conhece a natureza humana: uns aplaudem porque valores mais altos se levantam: os seus, em consonância com a sua dependência de entidades com grande poder interventivo, que lhes ditam o que dizer, o que pensar, o que fazer - o sector empresarial de topo; os restantes aplaudem porque com o mal dos outros podem eles bem, com o bem dos outros, sentem náuseas, vómitos, diarreias e outros males preocupantes.
O monge ouviu, essencialmente, dois tipos de justificações injustificadas. A longevidade humana prolongou-se, as pessoas duram demais e isso é um mal. Por causa deste novo pecado original, devem ser punidos com mais tempo de trabalho. Assim, sem mais nem menos, surge uma nova teologia, caracterizada pela sua extrema ortodoxia. Os seus ditames não se expressam em latim vernáculo, mas em inglês macarrónico. Qualquer pessoa com dois dedos de testa sabe que o aumento de longevidade não se traduz necessariamente em acréscimo de produtividade. O Monge avança mesmo mais. Afirma, sem qualquer hesitação, que o ritmo exacerbado dos tempos que correm reduz, sem apelo nem agravo, o período em que um indivíduo activo mostra um nível de produtividade à medida do sempre sôfrego mundo empresarial.
O Monge ouviu ainda as alusões a um minguado saldo da segurança social. Ele sabe que, se esse saldo não se mostra ainda mais minguado, para tal concorreram, as contribuições, sempre certinhas e pontuais, dos citados funcionários. Mas, desta vez, assevera que não ouviu um único aplauso agradecido. O Monge garante que, do outro lado da barricada, do dito sector privado, desde a base até ao topo da pirâmide salarial, a grande maioria se escusa sistematicamente a pôr em dia os seus deveres contributivos. Se o governo quiser, investigue, revele e puna os milhões de recalcitrantes. Terá descoberto, então, a árvore das patacas que se furta a uma miopia exasperante, comum a uma sucessão de governos endemicamente afectados.
A retórica reinante sobre a terminologia direitos adquiridos é vã, oca, e infestada de má fé. É evidente que os funcionários ususfruiam de direitos, pois aqueles contextualizavam-se em letra de lei. Eram direitos, no mesmo sentido em que há o direito ao acesso à justiça , ou à saúde. Eram adquiridos, por isso lá estavam, sob a forma de lei. Não se adquire o que não existe. Houve um processo, longo de anos, que levou à sua inclusão no corpo normativo. Foi fácil destruir o que levou décadas a consolidar-se. Destruir é sempre fácil: a história dá-nos numerosos e fartos exemplos disso mesmo.
O Monge reconhece o desencanto dos funcionários públicos. As suas expectativas, os seus projectos de vida desabaram fragorosa e doloridamente. Uma das finalidades do direito foi abominavelmente omitida. As leis existem, também, para conferir segurança e estabilidade, mesmo a longo prazo. Não podemos ser coniventes com uma precaridade, obviamente perniciosa, que alguns querem estabelecer como uma inevitabilidade.
Quanto ao governo será, mais tarde ou mais cedo, julgo que mais cedo, punido por acções e intenções. Que saiba apreciar os prenúncios de um divórcio consumado com o país real. Que saiba avaliar e agir. Por aqui, estamos conversados. Palavra do Monge.
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