Povo: unicidade do significante; diversidade do significado
O Monge fica estarrecido com o uso abusivo do vocábulo "Povo". Os políticos da nossa praça, e não só, usam e abusam dessa palavra, pressupondo a sua unidade. Dá-lhes jeito, pois cria uma falsa sensação de unanimismo. "Povo" seria assim entendido como a generalidade da população, nos casos em apreço, imbuída da mesma opinião do fervoroso orador e ardoroso político. Este entendimento implica a legitimidade da acção, assente não na maioria, mas na totalidade dos cidadãos. É uma ideia perigosa, pouca condigna com a diversidade democrática e uma rotunda falácia. Para além disso, é uma atitude desrespeitadora da inteligência do público potencial.
Frequentemente, é utilizada a alternativa "Portugueses". Portugueses há-os de todos os gostos e para todos os gostos: altos, gordos, magros, brancos e noutras tonalidades, fachos, comunas e assim-assim, activos e apáticos, condescendentes e intolerantes. Tão diferentes entre si que o Monge pode afirmar com plena certeza que não existem dois iguais.
Fundamentalmente, o "Povo" abrange uma população com uma profunda diversidade de interesses. Fundamentalmente, o "Povo" mexe e remexe, convulsiona-se, entrechoca. O "Povo" é uma dinâmica, não uma entidade estática. É uma multiplicidade de lutas, de combates em permanência. Os compromissos são possíveis, pontuais ou mais duráveis, ou mesmo impossíveis. Com(n) fusões de interesses comuns contra outro ou outros grupos de interesses comuns, mas antagónicos.
O termo Povo é especialmente usado em momentos historicamente significativos, especialmente caracterizados pela convulsão social, reiterada ciclicamente. Como exemplos, o Monge aponta a revolução francesa, a revolução de Outubro, a nossa revolução de Abril. São momentos em que os antagonismos sociais emergem com particular e estrondosa violência. São ocasiões de ruptura, de colisões fracturantes de interesses. É a lei selvagem e Darwinista da selecção natural aplicada às tensões sociais. É um desespero retórico tentando unificar o inconciliável. Estranho paradoxo este: falar do Povo e para o Povo, quando esta pretensa entidade está mais que nunca dividida, estraçalhada, retalhada em facções que se digladiam furiosamente.
"Portugueses", vós sabeis que não sois uma unidade, que os vossos interesses, eventualmente, muito possivelmente, divergem do vizinho do lado. Por cá o Monge desconfia. Os nossos representantes repetem, com uma frequência preocupante, os termos em causa. Serão os sopros prenunciadores de uma forte borrasca social? À cautela, o Monge vai afiando o lápis e a sua verve. Pois é. Palavra do Monge.
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