segunda-feira, dezembro 24, 2007


És sempre tu






Há sempre uma estrela que brilha,
Só para ti , no firmamento,
É, na bússula, a estranha agulha,
Que te rege o andamento.


É o brilho em que tu bebes
A coragem necessária
Nesse trilho que prossegues
Em viagem temerária.


Essa estrela companheira,
Essa luz, esse pó doirado,
És tu, de outra maneira,
És tu, lá em qualquer lado.

Palavra do Monge

domingo, novembro 25, 2007

CORPORATIVISMOS

Luiz Pinto - Corpo de Mulher

Outrora chamavam-lhe consciência de classe. E possuir esta consciência era pressuposto para que se estrebuchasse contra as indignidades da existência. E assim se conseguiram resultados. Muitos e bons.



Agora chamam-lhe, intencional e pejorativamente, corporativismo. Este corporativismo é pior que a peste. É maleita social e causa de maleitas. Por isso, deve ser criticado, combatido e erradicado, custe o que custar.



Esta alteração semântica é recente e demonstrativa dos tiques do neoliberalismo. Repare-se no exemplo: antigamente havia destacamentos ou requisições, agora há estruturas de missão. Missão pressupõe algo mais sublime, no entendimento neoliberal e não só, e pressupõe também uma subordinação reverencial a um objectivo, algo muito parecido com a santidade. Desde modo, o neoliberalismo assume-se, pasme-se, como a religião da Nova Era. Uma religião pragmática e material, alérgica ao espírito e à espiritualidade, de que aproveita apenas a terminologia. Contradições...



Os detractores do corporativismo (que palavra chata!) desconhecem, ou fingem desconhecer, que constituem eles próprios unidades dotadas de sentido de corpo. E mal deles se o não forem! E mal nosso que o são! A dinâmica social é feita de equilíbrios e desequilíbrios entre corporativismos. Deste modo, as elites políticas em exercício de poder são elas próprias manifestações de corporativismo. Existe o corporativismo jornalístico, o corporativismo banqueiro, o corporativismo dos economistas e de outros clubes que hipocritamente omitem o seu corporativismo e detractam o dos outros. Contradições...



O problema fundamental reside na instilação intencional de obstáculos à emergência de determinados corporativismos. A proliferação dos contratos individuais, os atentados à contratação colectiva, visam, tão somente, a prevalência de corporativismos dominantes e socialmente letais, em termos de coesão.





Deixemo-nos de tretas. Corporativismos são como os chapéus, há muitos. E cada um trate muito bem do seu. Para seu próprio bem. Só assim sustentará, na devida proporção, o choque dos corporativismos que se auto-camuflam. Sabem que o são, mas não o assumem publicamente por razões estratégicas. Não é a teoria da conspiração. É a conspiração pura e dura.




Por ora, chega. Tratem do vosso corpo. É saudável, em todas as acepções da palavra.



Palavra do Monge

sábado, outubro 27, 2007





200 000








Houve festança na corte. A Nova Aristocracia reuniu-se com grande ritual e espalhafato, divulgado e ampliado pelos Novos Truões, disseminando vozes, imagens, escritos e muitas balelas sem sentido. Bailou-se a valsa, o corridinho e outras danças de costumes. Relampejou foguetório a rodos. Por entre pulos e aplausos, o champanhe escorreu, saciando espíritos insaciáveis.


Digamos que tal desvario se justificava. A soberana azul, coroada de estrelas, tantas que o peso da coroa se tornava desmesurado, tinha parido. Tinha parido um amoroso Tratado, rechonchudo como todos os filhos de boas famílias, mas que não chorou ao nascer, ciente do seu sigiloso destino. Veio ao mundo com todas as boas qualidades da elite cortesã: era dotado de uma ilimitada mobilidade, incomum para tão precoce idade, mas necessária para que gente estranha e menor não satisfizesse a sua indesejada e inoportuna curiosidade; era precário porque, na verdade, ninguém acreditava na capacidade para se perpetuar e era polivalente porque, de facto, satisfazia a todos e a nenhum.


Enquanto no Paço se esbanjavam porreirices, lá fora, o terceiro e último estado, esquecido e descrente, dava vazão ao seu descontentamento ressentido. Não valsava e o corridinho era outro. Baldava-se para o recém nascido, pois augurava que nunca o viria a conhecer. E não se pode amar, nem sequer aprender a gostar do desconhecido. A crença, por aqueles lados, era mortiça ou inexistente e a desconfiança um modo de estar, uma defesa contra promessas que tinham o infame costume de se transfigurar em mentiras e medidas acriteriosas e sempre penalizadoras.


E assim estavam as coisas naquele reino, por instantes tornado no centro do Mundo e na sua cruenta imagem.


Não te amofines. Tudo está porreiro, pá!


Palavra do Monge

segunda-feira, outubro 15, 2007




LEMBRAR ADRIANO


Cantar de Emigração



Este parte, aquele parte

e todos, todos se vão

Galiza ficas sem homens

que possam cortar teu pão.


Tens em troca órfãos e órfãs

tens campos de solidão

tens mães que não têm filhos

filhos que não têm pai.


Coração

que tens e sofre

longas ausências mortais

viúvas de vivos mortos

que ninguém consolará.
Adriano Correia de Oliveira
c
..
.
.
c
.
Adriano Maria Correia Gomes de Oliveira nasceu em Avintes, em 9 de Abril de 1942. Aí se iniciou no teatro amador e foi co-fundador da União Académica de Avintes.

Cursou Direito na Universidade de Coimbra, tendo sido repúblico na Real Repúbica Ras-Teparta. Pertenceu ao Orfeão Académico de Coimbra, como solista, e fez parte do Grupo Universitário de Danças e Cantares e do Círculo de Iniciação Teatral da Académica de Coimbra.

Foi guitarrista no Conjunto Ligeiro da Tuna Académica. O seu primeiro disco, "Fados de Coimbra", saiu em 1963. Dele fazia parte a balada Trova do Vento que Passa, com poema de Manuel Alegre,que rapidamente se tornou um símbolo da resistência estudantil à ditadura salazarista.
.
Cantar de Emigração insere-se na obra Cantaremos, editada em 1970.

Morreu no dia 16 de Outubro de 1982, com quarenta anos, na sua terra natal. Passados serão 25 anos. Amanhã.


domingo, setembro 30, 2007

QUESTÕES DA BOLA
Madre Teresa de Calcutá - Aguijarro




Viva Santana! Nunca pensei expressar-me deste modo relativamente à dita personagem. No entanto o homem procedeu adequada e dignamente face ao atropelo decorrente de uma patológica busca de audiência.


Coloquemos o futebol no seu devido lugar. Gosto da bola e, em especial, de a ver. No entanto, consigo relativizar a sua importância num lote de prioridades. Reconheço as capacidades profissionais de Mourinho mas não vou muito à bola com a sua maneira de ser.


Fiquei algo chocado quando, na sequência de um daqueles banhos mediáticos com que nos encharcam a paciência, também na sequência daquele banho milionário que o treinador em questão recebeu como prémio pelo seu afastamento, o ouvi dizer, alto e bom som: Agora vou é gozar a vida.


Instantaneamente, estabeleceu-se uma associação nesta minha encarquilhada cabeça. Nada mais nada menos que com outra protagonista do circo mediático recente: Madre Teresa de Calcutá.


Considero-me racionalmente um céptico, embora instintivamente um crente. A crença foge ao controlo da racionalidade, cola-se-nos à mente, tem vontade própria. Agarramo-nos a ela, desesperadamente, tentando encontrar significado para a Vida e dignidade para o Homem. O meu cepticismo diz-me: tu és a besta e ages deterministicamente com tal. A crença murmura: tu és Homem, objecto privilegiado da Criação. O cepticismo clama: o que tiveres de fazer, fá-lo na efemeridade que a vida te permite. A crença acalma-me: Há outra Vida, mais justa e solidária, que dura a Eternidade. O cepticismo aconselha: age. A crença seduz-me: tem Esperança. Um reclama acção, a outra paciência.


Madre Teresa era uma pragmática e, alegadamente, uma crente. Fiquei surpreendido com as notícias dos seus prolongados momentos de escuridão espiritual. Provavelmente, o seu contacto com as misérias e injustiças do mundo do Homem obscurecia a sua crença, como obscurece a minha. Apesar disso, esses momentos de falha de diálogo com o divino nunca esmoreceram os seus desígnios. Talvez contribuíssem, isso sim, para os exacerbar. Afinal, pelo sim ou pelo não, jogando pelo seguro, talvez seja melhor lutar pela felicidade na terra. O resto, depois se verá.


Acontece que a felicidade é um bem escasso. A felicidade de uns passa frequentemente pela infelicidade dos outros. Nesta óptica há necessidade de uma redistribuição mais equitativa. Mera questão económica.


Deste modo, um, o treinador goza a Vida encharcado em milhões, para si. A outra, a Teresa, gozava a Vida mendigando ninharias para os outros. Um, certamente não terá dúvidas e raramente se enganará. A outra deixou obra e seguidores, apesar da dúvida. Esta dúvida é a medida da sua imensurável grandeza.


E, já agora, uma confissão: sou portista desde que me conheço.


Palavra do Monge.


terça-feira, setembro 04, 2007


ESBOÇO

segunda-feira, setembro 03, 2007


A MULHER QUE NÂO SORRI


Mary Cassatt - Jenny and Her Child




Aquela mulher nunca sorri. Ou só sorri em privado e para pessoas do seu círculo restrito. A ausência de sorriso é uma doença. Cada vez menos rara. A ausência de sorriso é uma doença contagiosa. Uma ministra que não sorri constrói muros. Muros altos, com arame farpado em cima e com terra de ninguém a circundar.

Uma ministra de educação que não sorri é um caso complexo. Por que será que não sorri? Achará o sorriso uma perda de tempo? Entenderá o sorriso como uma brecha por onde se insinuará o indesejado abuso da confiança? Ou cortou relação com uma vida inapelavelmente madrasta? Ou o fardo do cargo que ocupa lhe mina inexoravelmente a empatia? Sei lá...

O caso é que eu também deixei, hoje, dia 3 de Setembro de sorrir. O fardo do cargo que ocupo mina-me inexoravelmente a empatia e a simpatia. O caso é que ,quando olho à minha volta, reparo que os meus colegas deixaram, subita mas simultaneamente, de sorrir. As ordens vêm de cima: sorrir é uma perda de tempo, sorrir é um acto excedentário, portanto descartável.

O caso é que para a semana as crianças depararão com um professor carrancudo, que a vida não está para sorrisos. Lavo daí as minhas mãos... o modelo impõe-se hierarquicamente, através de circulares blindadas, protegidas por arame farpado e de via única.

É pena! É tão bom sorrir! E como é bom ser correspondido por aqueles espontâneos sorrisos de criança, tão profundos e tão verdadeiros. Mas, sinceramente, não me apetece sorrir. Há 10 medidas, exactamente 10, não 9, nem 11, que mo impedem.

O sorriso impôe-se-nos, deste modo, como uma espécie em extinção. Quando os educadores deixam de sorrir, mais tarde ou mais cedo as crianças absorvem-lhe a ausência. Mal andará o mundo quando as crianças deixarem de sorrir.

Palavra do Monge

sexta-feira, agosto 10, 2007

Salvador Dali




O DECLÍNIO DO ÚLTIMO IMPÉRIO



"A taxa de natalidade portuguesa era, em 1960, de 24,1 %, em 1980, de 16,2 %, em 1990, de 11,7 % e, em 2005, de 10,4 %. Temos, em 2007, menos 1/3 de nascimentos do que tínhamos na década de 80 do século passado."


" O índice sintético de fecundidade para assegurar a sustentabilidade de gerações é de 2,1 filhos por mulher."


" Temos 47 000 nascimentos a menos, todos os anos."


Feliciano Barreiras Duarte, in A Visão



Antes da revolução, a população buscava o seu sustento, com métodos ancestrais, na terra-mãe. Vivia-se, tão somente, para sobreviver. Conjugava-se a sobrevivência no presente. O passado estava repleto de rotinas e, sobretudo, era um repositório de experiências, sempre vivas, por tão fundamentais. O futuro, cruamente previsível, era inoportuno e tão desconfortável como uma carga de mosquitos.


De facto, vivia-se uma ruralidade medieval. O tempo arrastava-se ronceiro, parco de novidades e mudanças. Era contado e medido nas estrelas. Aprendido em saberes que escorriam, à boca do fogo, numa roda feita de gerações.


A pobreza grassava, num cortejo de sequelas irreversíveis. Mas as famílias eram grandes, enormes. A criançada proliferava, num repto orgulhoso, pleno de raça, à arrogância ditatorial do natural salve-se quem puder. Quantas morriam, mas isso nunca constituiu obstáculo de vulto. Os genes sempre foram transmitidos, como se impunha, em quantidade e qualidade.


De repente, num estalar de dedos, as leis foram mudadas. Rasgaram-se estradas e oportunidades. O futuro deixou de ser cinzento e coloriu-se com o fulgor de mil promessas. As montras passaram a estar ao alcance da mão. Criaram-se expectativas e a vida sorria, em cada labirinto de um qualquer centro comercial.


Mas a contrapartida impôs-se, desde logo. Para responder ao afã consumista e à autonomia económica e social, num anseio merecido, mulheres e homens investiram no trabalho e carreira. A família clássica desmoronou-se. Numa mão-cheia de anos a natalidade atingiu níveis exíguos.


E aqui está o paradoxo. Por esta fresta de oportunidade disseminou-se o germe responsável pela morte do último império. As crianças são uma franja social em extinção, neste império tão senhor de si. Precariedade, mobilidade, generalização de métodos contraceptivos e da IVG, endeusamento da carreira em desfavor da família, reduziram drasticamente o número de nascimentos.


Sem reposição das gerações a sociedade ocidental definha. Presentemente vive-se melhor, mas há crianças a menos. Há décadas atrás vivia-se mal mas a riqueza fundamental coabitava ali mesmo, naqueles agregados que sobrelotavam casebres.


Será que não podemos fugir a este jugo determinista? Será que o preço do progresso é, inevitavelmente, a degeneração de uma comunidade? Ou será que a igreja tem razão? Haja alguém que responda, mas depressa que, por este trilho, não vamos lá.


Palavras do Monge




quinta-feira, agosto 09, 2007


ESBOÇO


sábado, agosto 04, 2007

Borrasca - Néstor



SINAIS DE BORRASCA




"Na campanha do penúltimo congresso socialista, em 2004, eu disse que havia medo. Medo de falar e de tomar livremente posição. Um medo resultante da dependência e de uma forma de vida partidária reduzida a seguir os vencedores (nacionais ou locais) para assim conquistar ou não perder posições (ou empregos)."


Manuel Alegre, in Público, 25 de Julho


"Não há marcas de esquerda neste Governo. Essas deviam estar no terreno social mas, como já vimos, os direitos sociais estão um pouco proscritos. Por exemplo: não considero uma marca de esquerda ter promovido o referendo ao aborto, apesar de ter votado sim. Marca de esquerda era cumprir a democracia política, social, económica e cultural. Dentro do Estado Social o direito à Saúde é fundamental. E aí as marcas não são de esquerda..."


António Arnaut, in Visão, 25 de Julho


O Presidente da República, Cavaco Silva, manifestou-se hoje surpreendido com a não renovação da comissão de serviço da directora do Museu Nacional de Arte Antiga, considerando que o trabalho de Dalila Rodrigues foi "muito meritório".


In Público, 5 de Agosto


Num parecer entregue 6ª feira à ministra de Educação, a que a agência Lusa teve acesso, o Provedor de Justiça, Nascimento Rodrigues, manifestou-se "perplexo" e "preocupado" com as regras do primeiro concurso de acesso a professor titular, apontando mesmo a existência de situações de "flagrante injustiça".


In Jornal Esquerda, 5 de Agosto



O Monge admira-se porque os outros só agora se admiram. De um momento para o outro depara com artigos que denotam preocupação com decisões de um governo que é também o Partido. Não se refere a palavra seguinte porque o seu uso é obsceno face às circunstâncias. António Arnaut adianta que o Partido virou tanto à direita que um indivíduo que se mantenha fiel ao seu projecto original ficará necessariamente de fora.


Esta deriva repentista à direita deixou a direita amorfa, afónica e inerte. Podem os habituais detentores de prolixa verve, guindados ao estatuto de comentaristas disto, disso e de mais aquilo, e de tudo junto também, procurar outras razões para a inexistência de oposição eficaz. A verdadeira razão aqui está: temos o Partido da Direita no poder. Os demais partidos, os clássicos de direita, para não sossobrarem ingloriamente, têm que navegar à esquerda. Um paradoxo.


As ditas preocupações saúdam-se, mas pecam por tardias. Se não passarem de mera retórica, se não forem complementadas pela acção, se não implicarem mobilização, perdem o viço e murcham. Um vão definhamento.


De qualquer forma, o mal já se propagou e as suas sequelas são irreversíveis. A própria democracia foi perdendo alma, chama, sentido. Os comentaristas disto, disso e de mais aquilo que procurem os sinais, remexendo nos resultados do último acto eleitoral.


Pois é. Alguns admiram-se e arregalam o olho e a consciência. Até os dignos jornalistas, ocupados e preocupados a detectar alegados arreganhos corporativos, se esqueceram que, algures, também os tinham. Quando assanhados reagem darwinisticamente, como se impõe, e recorrem ao Anjo da Guarda, num estertor de desespero mediático. Afinal são iguais aos outros... Que desilusão!


Quanto ao Monge, admirou-se em devido tempo, um tanto atrasado, é verdade.


Arrependeu-se e está em fase de rigorosa penitência.


Palavra do Monge

quarta-feira, julho 25, 2007

The Past and the Future
EDWARD TABACHNIK



A TECNOLOGIA DO DESEMPREGO


Foi após uma daquelas visitas corriqueiras que acabamos por fazer a um qualquer antro de consumo, vulgo grande superfície, que levei uma daquelas ensaboadelas que se incrustam na memória de modo tão definitivo que incomodam. Talvez a sua permanência se deva ao desprazer que provocam e a uma má consciência que nos indispõe .




Sei, de antemão, que a curiosidade pode matar. Ou, se não mata, fere. Prometi a mim mesmo, como em muitas outras vezes, que não iria gastar peva. Só tencionava tomar um daqueles banhos de consumismo de forma completamente gratuita. Entraria e sairia de mãos nos bolsos e de carteira impoluta, depois de saciada a minha curiosidade e de satisfeita a minha pulsão materialista.




Acabei seduzido junto a um caixote de filmes descompostos de tão remexidos. E, como não sou mais nem menos que os outros primatas remexedores, remexi também. Esquecendo o insistente grilar do meu grilo consciente e a minha intenção inicial, peguei em dois dos produtos e dirigi-me a uma das caixas, a que me parecia mais acessível.





Sou bruscamente interrompido pelo apelo de uma funcionária que me esclarecia:




- Por aí não! Por aqui, se faz favor.




No atordoamento que me é característico, sempre que frequento um destes locais, lá pensei que tinha mais uma vez metido a pata na poça, e que não tinha cumprido um dos rituais de pagamento necessários, que envolvem filas, prioridades, paciência a rodos, saber lidar com maquinetas de alto padrão tecnológico e aplicar procedimentos esquisitos em sequência.




E pronto, lá fui confrontado com uma maquineta ainda mais topo de gama, obedecendo sem reacção a uma série de instruções que me iam sendo dadas: meta as embalagens aqui, pouse acolá, carregue com o dedo aqui, meta o cartão acolá, retire o recibo ali. Vá-se embora e muito boa tarde. Da próxima vez já sabe como é.




Olhei, estonteado, em redor e apercebi-me do olhar reprovador dos circunstantes, disciplinadamente aguardando na fila de onde eu tinha saído, esperando a sua vez de lidar com a máquina de não tão alto padrão tecnológico e com a simpatia, paciência e o sorriso da funcionária da caixa.




Aquela experiência marcou-me e relatei-a a um conhecido, residente numa das nossas principais urbes que, exasperado, me disse:




- Então você não tem vergonha. Na minha terra há dessas máquinas há montes de tempo. Também me convidaram e eu recusei-me a usar aquela porcaria. E grande parte das pessoas procede como eu. Tenha vergonha. Uma máquina daquelas sonega emprego a uma data de gente!




E eu, encabulado, enfiei silenciosamente a carapuça e , estrategicamente, mudei de assunto e de lugar, assobiando, em surdina,a Internacional de boa memória...




Palavra do Monge








sexta-feira, junho 29, 2007

Autor desconhecido - In BeinArt.org




ANDAM A ENGANAR OS PACÓVIOS!



Recuso-me terminantemente a que predeterminem a minha esperança de vida. Estatisticamente, acho isso um absurdo. Mais ainda: uma impossiblidade. Embora fique cativado e agradecido com os anos que lhe acrescentaram. E pesaroso com as condições de vida em que também predeterminaram que vivesse esse intervalo que generosamente me doaram.


A verdade é que o valor determinista dessas projecções é nulo ou de nenhuma relevância. O erro primeiro, e talvez o mais gravoso, é que elas parecem ter sido feitas pelos especialistas errados. O bom senso aconselharia que o mesmo estudo fosse feito pelos especialistas que perscrutam os meandros da vida e da morte, da saúde e da doença: os médicos.


Mas não! Hoje em dia existe uma espécie, a que já me referi, que se imiscui impudicamente em todos os sectores da vida humana, que opina sobre temas que fogem da sua área de conhecimento e que, criminosamente, decidem ou são preponderantes na tomada de decisão: os economistas.


O segundo erro cometido pelos ditos técnicos omniscientes é que sustentaram tais projecções em dados que, mesmo na actualidade, são obsoletos e descartáveis. A esperança média de vida na civilização ocidental dos nossos dias decorre da conjugação do modo de vida menos sedentário de há décadas atrás, com a implementação de medidas preventivas no domínio da saúde, com progressos inusitados na ciência médica, incluindo a emergência de tecnologias sofisticadas de diagnóstico e terapêutica.


Pois bem. O sedentarismo tenderá, inevitavelmente, a aumentar, num reflexo de um modo de estar pouco consentâneo com os padrões aconselháveis de uma vida saudável. O ritmo de vida, o frenesim de um quotidiano que nos pretendem impor, em que a competitividade, a mobilidade, a incerteza e a impossibilidade de afirmar projectos de vida estáveis são noções de culto propagandeadas pelos reverenciados especialistas, apontará para níveis de ansiedade que se tornarão crónicos e, por consequência, letais.


Por isso, não pretendam confundir mentes, tomando-nos por imbecis. As pessoas viverão cada vez menos e, por isso mesmo, não deveremos atribuir a, também predeterminada, falência dos sistemas de segurança social ao prolongamento da esperança média de vida.


Preocupa-me, sim, o facto de amplas, jovens e qualificadas franjas de população activa estarem a ser relegadas para o desemprego. Uma sociedade sã não se pode dar ao luxo de desperdiçar recursos no seu auge produtivo e manter no activo cidadãos que já se encontram na fase descendente do seu perfil produtivo. Cidadão desempregado não é cidadão contribuinte.


Contradições... ou talvez não.


Palavra do Monge


quarta-feira, junho 27, 2007

Durer-Cavaleiros do Apocalipse





Livro Branco mais Negro não há




Algo corre mal quando uma pessoa perde a capacidade de se surpreender. É talvez o vazio do desencanto que se apropriou da individualidade. Ou então é a opção sem alternativa por uma indiferença que se torna modo de estar na vida.



É isto que está necessariamente a acontecer, pois não vislumbro reacções a tomadas de posição que penalizam aqueles que já têm a pena do seu lado. Tomadas de posição que constituem retrocessos de vulto relativamente a conquistas sociais suadas, sangradas e choradas.



Apareceu inopinadamente um qualquer Livro Branco, dito das relações laborais, elaborado por uma também dita comissão independente. Desconfio das comissões e ainda mais desconfio quando são designadas por independentes. Preciso de mais sumo. Exijo saber quem são, quem «manda» nelas, quais os critérios de selecção. Preciso de confiar e a desconfiança tornou-se-me um estilo, uma posição de auto-defesa.



As falcatruas, que no referido livro se antevêem, não são nenhuma novidade. De facto, essas malandrices já entraram no nosso dia-a-dia. Não era preciso o Livro para se reconhecer que a propagandeada flexibilidade já é um facto e a segurança uma omissão. São contratos minimalistas. São horas de trabalho extra não contabilizadas. É a mobilidade forçada. É a coacção laboral. É a competitividade malsã. É a segregação de uma estabilidade tida como aberração.



Há só uma coisa que me surpreende. Onde estão os socialistas? Os verdadeiros. Aqueles que acreditaram em causas e que pugnaram por elas. Os que visionavam uma sociedade justa, equilibrada, realmente evoluida. Evaporaram-se, sumiram, vegetam asfixiados pelos vapores sulfúreos dentro das grades autistas de uma qualquer Câmara Parlamentar.



A queda do Muro não desabou apenas sobre comunistas. Abafou socialistas e soltou os ventos apocalípticos vindos de Oeste, mais selvagens que nunca.



Saudações socialistas.



Palavra do Monge

quinta-feira, junho 14, 2007




MODERNIDADE VINTAGE


Num novo arremedo tlebsiano, este peculiar executivo acaba de reconstruir a palavra modernidade. Confesso que estas sucessivas reinvenções de vocábulos, anteriormente com contornos e conteúdos relativamente estáveis, me começam a baralhar as meninges.


Desta vez, usando um estratagema tão velho como as teias de aranha que o recobrem, elogiou a postura inovadora de meia mão cheia de uma nata desnaturada de dirigentes sindicais arregimentados, relevando a sua postura inovadora de adesão servil às propostas altamente lesivas dos trabalhadores que deveriam defender.


Isto não é moderno! É tão velho que cheira a mofo. É tão velho que, por associação inconsciente, nos invade a memória com as memórias de velhos tempos. Tempos velhos cuja lembrança emerge com frequência preocupante.


Resumindo, é uma ideia velha de um governo velho, com esperança de vida excessivamente prolongada.


Fés Up


Palavra do Monge


sábado, maio 26, 2007





A RESPEITO DE CUCOS E MELROS




A passarada deste habitat à beira-mar plantado está a mostrar condutas descaracterizadas. Principalmente melros e cucos. Estes e aqueles desataram a nidificar no ninho alheio, de tal forma que já não se distinguem os tão valiosos resultados da postura. É uma trapalhada que está a alertar biólogos e afins. Eles atribuem tal estado de coisas a efeitos colaterais da apregoada globalização em curso.


Repare-se no discurso de uma dessas renomadas aves:





«(...) o mundo mudou. Hoje há um fenómeno de globalização completamente incontornável e houve fenómenos que vão ao arrepio daquilo que se pensava que pudesse ser a evolução da sociedade. Hoje há mais ricos e há mais pobres. Há um fosso maior entre ricos e pobres, entre países ricos e pobres. Há uma ideologização do sucesso pelo sucesso, de que o dinheiro é o único valor, coisas com as quais eu não posso concordar.Porque o mundo mudou. Hoje há um fenómeno de globalização completamente incontornável e houve fenómenos que vão ao arrepio daquilo que se pensava que pudesse ser a evolução da sociedade. Hoje há mais ricos e há mais pobres. Há um fosso maior entre ricos e pobres, entre países ricos e pobres. Há uma ideologização do sucesso pelo sucesso, de que o dinheiro é o único valor, coisas com as quais eu não posso concordar.»




E adivinhe-se qual a ave citada: nada mais, nada menos que Nobre Guedes, num jornal da nossa praça. Estas crises de identidade são preocupantes. De uma vez por todas, definam-se, reciclem-se, actualizem-se, mas aprendam, de uma vez por todas, onde está a esquerda e a direita. Isto de trocar de posições é batota. Cartão Vermelho! Mas lá que gostei do discurso, gostei.



Palavra do Monge






quinta-feira, maio 24, 2007

Mother and Children - Sharon Sayegh



Tiranos de tenra idade




Javier Urras é Primeiro Provedor de Menores na vizinha Espanha. Recentemente, editou uma obra orientada para um problema crucial da sociedade do nosso tempo, que está directamente relacionado com a família e o seu poder regulador sobre as crianças. Em suma, aborda a falência do exercício da autoridade paternal.


O acesso crescente da mulher ao universo laboral, as exigências impostas pela carreira, o decréscimo da importância dos avós nas relações familiares, a redução da natalidade, conduzem a uma peculiaridade: a ausência de exercício ou o mau exercício da autoridade dos pais.


Afirma Urras:


«Sem dúvida, é importante ensinar-lhes (às crianças) o significado do não. Mas há que educá-los em liberdade, há que educá-los para a autonomia e a independência. Há que ensiná-los a trabalhar - na escola e nas tarefas em casa , há que educá-los no respeito por valores como a honestidade, há que puni-los quando os seus actos merecem castigo. Quando dizemos não, esse não tem de ser rotundo - não há apelo nem agravo, não há lugar a negociações, nem sequer a argumentações.»


Considera o mesmo autor que a definição de limites à criança é essencial. Esta regulação na infância é fundamental para a aceitação da autoridade paterna pelo adolescente e assume preponderância quando se verifica que, por contingências socioeconomicas, existe uma tendência para que o jovem quebre mais tardiamente os laços que o ligam ao agregado familiar.


Refere ainda:


«É essencial que os pais saibam transmitir o valor da palavra respeito. (...) É importante que cada um cuide da sua vida, mas também é importante tomar conta de quem cuidou de nós e de quem é importante para nós (...).

Há poucos anos as crianças brincavam com outras crianças, tinham uma rede alargada de conhecimentos (...), participavam em actividades conjuntas(...). Agora, a maior parte das crianças passam a maior parte do tempo sozinhas(...). Para piorar o cenário muitas vezes nem sequer têm irmãos.»


E acrescenta:


«Isso (o não) causa-lhes frustração, é verdade, mas a vida muitas vezes também é frustração. A vida também é o deve ser(...). Tem de haver compromissos. Isso é a vida em sociedade e temos a obrigação de o ensinar às nossas crianças.»


Urras alerta para o que se está a passar em Portugal:


«Aqui há muitos problemas com a falta de autoridade dos professores, a falta de respeito dos alunos pelos professores e, mais grave ainda, a falta de respeito dos pais dos alunos pelos professores dos seus filhos. E isso é gravíssimo.»


Acrescentemos que a razão das afirmações do provedor residem na ocorrência preocupante de fenómenos de violência de filhos contra pais, no país vizinho. Por aqui releva-se a violência sobre professores. Circunstâncias de um tempo dito de mudanças que, mais vezes do que seria expectável, nem sempre são para melhor.


Palavra do Monge

domingo, maio 20, 2007


Mais uma vez, o Mundo é azul!!

sábado, maio 12, 2007

August Walla

ALLEO


Ando por aqui enleado na reforma semântica recentemente introduzida na terminologia linguística, cujo exemplo mais disseminado é o do topónimo Allgarve. Não me interessam as suas implicações nos orçamentos autárquicos, devido à substituição das placas indicadoras das localidades: Allmoster, Allter-do-Chão, Alltamira, Allicante, Allvaiázere e outras.


Preocupo-me, repito, mais com a vertente semântica da questão. Vejamos:

Allfaia-ferramenta geralmente usada por todos. Uma evolução significativa e, convenhamos, perfeitamente enquadrada num espírito comunitário de partilha desprendida.

Allfaiate-costureiro definitivamente rendido à uniformização do uniforme: talhe igual para tamanho igual.

Alleo-substância gordurosa usada por todos, sem excepção (all you/óleo).

Allmeida-feito por todos, ou para todos. Há outra variante, construída por via popular: Allfeite. De facto, são sinónimos.

Allmoço-moço ou serviçal polivalente e extremamente disponível.

Allguidar-guia turístico para grandes grupos, perfeitamente ajustado às necessidades actuais de rentabilização dos recursos.

Allfacto-ocorrência que constitui o culminar do êxito jornalístico. Em calão, significará "faro para as notícias", capacidade extremamente incomum na corporação.

Alltraje-modo de trajar assumido por toda a comunidade, a saber: fato azul, gravata da mesma tonalidade, sapato de verniz. Usado também por mulheres, na sequência do princípio designado por inexistência de género.

Allicate-designação atribuida a todos os felinos de um determinado habitat.

Alldrabão-indivíduo, muito comum hoje em dia, com especiais capacidades para defraudar a confiança de todos, vulgo "animal político".

Allfama - uma espécie de Big Brother a que todos têm acesso.

Allface-rosto conhecido pela comunidade em geral.

Allforge-acto plural de forjar algo.

Allmofada-travesseira disponibilizada a todos, sem excepção.

Allice-visita turística a regiões polares, a baixo custo.

Alli-local acessível a toda a comunidade.


E, por ora, dou por terminada esta viagem pelos meandros da nova terminologia linguística.


Alltos gozos for all of you. Não confundir com all love you.


Palavra do Monge

terça-feira, maio 08, 2007

O Martírio de São Mateus - Caravaggio



A DERIVA DAS ESQUERDAS



Estou neste momento a ouvir António Barreto. Também o estava a ver. Mas ele lançou um tiro que não foi no escuro. Foi um tiro objectivo, directo, intencional. Este tipo de atitudes responsabiliza quem as assume. Tanto mais quanto provêm de uma figura pública e de um programa que detém uma certa ambição: a de constituir uma visão crítica da sociedade portuguesa contemporânea e do processo democrático. Tanto mais quanto provêm de um pessoa com um historial de preocupações e intervenções sociais não negligenciável. Alvejou o alvo costumado: os funcionários públicos.


Foi o suficiente para me fazer correr para este vale de lamentações. É o que faço quando me cheira a injustiça. Disse a pessoa em causa: os funcionários públicos detêm um estatuto de privilégio, estão excessivamente remunerados. Não são demais, mas não são produtivos.


Primeira contra-argumentação: não são os funcionários públicos que detêm privilégios; são os trabalhadores privados que foram, progressivamente, privados de direitos numa espécie de processo retrógrado, insinuado paulatinamente pelas elites económicas. O modelo está no estatuto público, não no privado. Retirar esse estatuto à função pública é contribuir para a deterioração inevitável da sociedade. É uma involução. Os trabalhadores privados ganham pouco, trabalham mais do que a lei e a equidade recomendam. Estão sujeitos à precariedade, à mobilidade, à instabilidade. Coartaram-lhes as possibilidades de associação. Não reinvindicam. Não o podem fazer, embora não lhes faltem motivos. Uma grande lacuna democrática. Restringiram-lhes a capacidade corporativa, essencial num eficaz e paritário processo negocial. Não têm oportunidades para estabelecer um projecto de vida. Isto não é saudável. Isto não é progresso, senhor António Barreto. Se, ao invés daquilo que perfilhava nos seus bons e recomendáveis velhos tempos, pretende uma sociedade sustentada nestes pressupostos, é lá consigo. Mas procede mal!


Segunda contra-argumentação: os funcionários públicos não estão bem remunerados. Alguns funcionários públicos, os colocados em funções de gestão de topo, na maior parte das vezes por nomeação ao sabor das flutuações partidárias, estão excessivamente remunerados. Mais: não estão capacitados para o cargo, porque a sua escolha não postula esse critério como fundamental. Os trabalhadores privados têm maus salários. Alguns privados recebem enormidades. É neste sector que as disparidades são, presentemente, mais significativas. Isto não é evolução, é retrocesso. Mas se tal situação é um facto, que não se transfiram para o sector público as maleitas do sector privado.


Terceira contra-argumentação: os funcionários públicos podem não ser produtivos. No entanto foram responsáveis, anonimamente, pelos maiores progressos sociais posteriores à Revolução. Reduziu-se a mortalidade infantil. Aumentou-se a esperança de vida. Generalizou-se o acesso à saúde, à educação, à justiça. Tudo isto em cerca de três décadas. Quando a maior parte dos países europeus já o tinham feito décadas atrás. Acha pouco? Tudo isto em estruturas muitas vezes inadequadas, com processos morosos de responsabilidade política. Não dos ditos funcionários. Se são pouco produtivos, não é porque não trabalhem, é porque as elites dirigentes não detêm competência para "agilizar" o sistema.


Por agora basta.


Palavra do Monge


segunda-feira, maio 07, 2007

Maxlife image



DESENCANTO


As piores previsões confirmam-se. A Europa roda vertiginosa e alucinadamente à direita e a direito. Perspectivam-se dias maus para as franjas sociais mais desprotegidas. Vêm aí propostas cruas e duras a cortar nos direitos laborais e sociais. A Europa como entidade una e interventiva tende ao desaparecimento. Nem pensar numa nova versão, mais ou menos camuflada, da dita Constituição Europeia. Como mecanismo de defesa dos países face ao fenómeno da globalização, tender-se-á ao proteccionismo crescente. Maus tempos para os emigrantes, culpabilizados do desemprego que grassa.


Sem mais.


Palavra do Monge

segunda-feira, abril 30, 2007

Hands - Kelly Vivanco



A DUALIDADE MEIOS/RESULTADOS


Está em voga a teoria descarada de que, nesta sociedade ao Deus dará, o que interessa são os resultados. As metodologias, as estratégias, os prazos, os recursos, tudo o que faça parte do caminho, não assume pertinência. Os estropiados, os escanzelados, as baixas nesta guerra em que nos transformam a vida são insignificantes. Azar o seu. Não tiveram oportunidade, não tiveram capacidade ou nasceram sem elas, ou já as perderam.


Esta descarada teoria despreza um dos pilares da sociedade verdadeiramente democrática. Porque há sociedades que se auto-titulam como tal mas que não o são. E a sociedade portuguesa, nesta data e nesta conjuntura, está contaminada com essa pegajosa hipocrisia. Esse pilar é a fraternidade. Palavra vã e chocha, não se coaduna com a agressividade dominante. É muito sensaborona e sentimental. Resquício de um romantismo obsoleto e pouco pragmático.


Pois bem, passemos pragmaticamente a alguns resultados das medidas do Processo Retrógrado em Curso, vulgo PREC.



  • Entre 300 a 500 médicos deixaram o Serviço Nacional de Saúde para desempenhar funções exclusivas no sector privado;


  • Muitos desses médicos são especialistas de renome;


  • A grande maioria pede licença sem vencimento de longa duração.

Consequências: um Serviço Nacional de Saúde cada vez mais exaurido e ineficaz. Oportunidades de mão beijada (no sentido literal) a um sector privado especializado. Responsável: esta governança que aplica o PREC.




  • Os dirigentes superiores da administração pública não vão estar sujeitos ao regime altamente restritivo de progressão dos seus subordinados. Dois pesos, duas medidas. Quem se lixa? O mexilhão do costume. Quem beneficia? Os bajuladores do costume, os oportunistas, os homems de mão do poder. Responsável: esta governança que aplica o PREC.

Há quem fique impressionado com o estilo e o aplauda freneticamente. Imagine-se quem. Nada mais, nada menos que Nicolas Sarcozy, candidato à droite na corrida presidencial francesa! Diz-me quem te bate nas costas que eu desconfio.


Palavra do Monge




quinta-feira, abril 26, 2007



Antes de Mais


Antes de mais....

Um preito, uma homenagem singela,

A todos aqueles

Que a história não mostra nem mostrou,

Que não têm direito de antena,

Que não têm direito a caixa nos jornais,

Que não são capa de revista.

Mas que não se importam...


Antes de mais...

Um preito, uma homenagem singela,

Um cravo florescendo na lapela,

A todos aqueles

Que a história feita por outros,

Voluntariamente rejeitou,

Que fizeram uma missão da sua vida,

Que rejeitaram ideias feitas por medida,

Que abriram árduas sendas no futuro,

Pelejando o presente penoso e duro.

Mas que não se importam...


Porque eles sabem,

Que são a verdadeira História,

Que são os verdadeiros construtores,

Embora rejeitem aplausos e louvores,

Com o orgulho daqueles

Que não se importam...


Palavra do Monge


Amadeu de Sousa Cardoso - Menina dos Cravos

Pode parecê-lo, mas nunca é demasiado tarde...



sábado, abril 21, 2007

Picasso



Bons pais, maus pais


Esta sociedade em que, por vezes, vegetamos nunca poderá dar à família a sua real importância em termos educacionais. É estranho que, com tanto aumento de produtividade, com tanta evolução técnica e tecnológica, as comunidades desenvolvidas desvalorizem o social e sobrevalorizem o económico. É uma evolução sem sentido aquela que não contribui para uma boa qualidade de vida ao alcance de todos. A economia, no plano sociológico, deveria ter um valor essencialmente instrumental.


O acesso à aquisição de bens de consumo essenciais ou não, a necessidade de independência económica da mulher, levou ambos os membros do casal a assumirem uma carreira. As exigências que ela lhes impõe em termo de disponibilidade de tempo, de competição e de progressão, conduzem a uma desvalorização do seu papel de educadores. Não têm tempo para serem pais, nem para aprender a sê-lo. As consequências são catastróficas, em termos de desenvolvimento infantil. Citamos Boris Cyrulnik, neurologista prestigiado, mormente pelos seus estudos sobre a resiliência, cujo conceito introduziu:


"...O encontro dos primeiros meses ( com a mãe), vai criar um estilo relacional, uma maneira de amar. Vai dar um certo gosto ao mundo, que em seguida se chamará felicidade ou infelicidade."


Uma das consequências do reconhecimento, consciente ou inconsciente, pelos progenitores, da ausência em momentos chaves do crescimento dos filhos condu-los, numa tentativa de erradicar o sentimento de culpa emergente, à superprotecção. As crianças que se desenvolvem neste ambiente são sôfregas relativamente à satisfação dos seus desejos. Querem que eles sejam supridos no imediato, não aprenderam a retardar a sua satisfação. Vivem o presente, o momento. Não estruturaram a faculdade de antecipar. Sucumbem perante as primeiras adversidades. Tendem à perda precoce da esperança e são alvos fáceis da depressão.


A vivência da angústia desde os primeiros patamares do desenvolvimento infantil é essencial, assim como é essencial a experiência da ajuda. O mesmo especialista afirma que a criança deve sentir o medo, para que estabeleça uma ligação "segura" com os pais. A inexistência daquela emoção não despoleta a relação afectiva com uma determinada figura ou figuras, que se assumiriam como fonte da segurança de que a criança necessita.


Os pais superprotectores estão, de facto, a impedir que a criança construa estruturas de defesa contra a adversidade. Ao bloquearem a vivência do medo e da angústia estão a torná-la intolerante, a condená-la à frustração e a impedi-la de saborear aquele travo, sempre apetecido, da felicidade.


Palavra do Monge

terça-feira, abril 17, 2007


pauloklein.art.br


SOS EUA SOS EUA SOS EUA SOS EUA SOS EUA SOS EUA SOS EUA SOS EUA SOS EUA


Uma sociedade que não consegue proceder ao desarmamento no limite das suas fronteiras não tem legitimidade para o impor fora delas.


Uma sociedade em que as pessoas recorrem sistematicamente ao uso de armas é uma sociedade com quadro patológico grave.


Uma sociedade em que as pessoas sentem o imperativo de usar armas é uma sociedade insegura, corroída pelo medo.


Um sociedade em que emergem com frequência crescente casos de morticínio aparentemente sem sentido é uma sociedade que precisa urgentemente de ajuda.


No entanto, quando analisadas em pormenor, encontrar-se-ão os motivos que estarão na origem destas dramáticas ocorrências. As razões profundas detêm natureza diversa. É a exclusão étnica, social, económica, política. É uma opção consciente pelo individualismo desenfreado. É a sobrevalorização do económico em detrimento do social. É a desumanização do indivíduo. É o confronto do indivíduo com exigências extremas: o novo esclavagismo, a precariedade, a mobilidade, o futuro incerto em permanência, a incapacidade de projectar a vida a prazo.


Um sociedade com este perfil nunca nos deve servir de modelo. Será prova de imbecilidade trilhar caminhos que o presente nos diz que estão errados. Devemos praticar a auto censura e a reserva crítica. Pois estamos a ser bombardeados incessante e despudoradamente com produtos culturais provenientes dessa sociedade insana.


Sejamos lúcidos, sensatos. Trilhemos o nosso próprio caminho, após erradicar o erro que tivemos o cuidado de diagnosticar em modelos errados de desenvolvimento.


A nossa autonomia é o nosso seguro de vida. Um nível adequado de auto-estima um bom ponto de referência. A aposta nos nossos valores e cultura uma prova de bom senso.


E corramos em auxílio da sociedade em causa. O nosso afastamento metodológico permite determinar a sintomatologia e as respectivas causas. Para que o diagnóstica seja objectivo e determinante.


Palavra do Monge

segunda-feira, abril 16, 2007



REVOLUÇÃO


Foi preocupante a deriva à direita do governo socrático. Da sua acção decorreram danos irreversíveis no estado social, na credibilidade nos políticos e na confiança na democracia.

É um facto que a democracia, com o passar dos anos, entra em decadência natural. São sintomas dessa decadência a corrupção, o compadrio e o clientelismo.´


Neste mesmo momento está a ser posta em causa a eficácia reguladora e redistributiva da democracia representativa. Este constrangimento agrava-se com a quase ausência da democracia participativa, a qual poderia servir de contraponto ao colapso do sistema de representação.


Haveria uma possibilidade de tornar mais eficiente o processo de participação democrático, garantindo a sua credibilidade e funcionalidade. Essa possibilidade era a da responsabilidade penal e criminal por acção ou omissão dos políticos em actividade governativa. Está visto que a mera penalização decorrente do escrutínio não resulta. Essa penalização é mais que compensada com a garantia de cargos apetecíveis que se traduzem em reforço do estatuto social e da situação económica.


A responsabilidade criminal por actos concretizados no uso de cargos políticos evitaria a tomada de decisões retrógradas, que subvertessem a lógica do Estado Social. Erradicaria o oportunismo e garantiria a boa fé dos candidatos ao exercício do poder. Seria uma salvaguarda da competência das pessoas em causa.


Caso contrário, deverá aplicar-se à democracia inapelavelmente atacada por viroses o último e drástico recurso. Em termos informáticos será o equivalente a formatar o disco rígido. Resulta lindamente. Em termos sociais, esse último recurso é o safanão que agita consciências, estatutos, mordomias. É o baralhar para dar de novo. É a revolução. Se continuarmos neste simulacro de democracia, que alarga cada vez mais o fosso entre ricos e pobres, que renega direitos adquiridos através de décadas de luta continuada, ela aí virá e será bendita por muitos e odiada por poucos. É assim que costuma ser. A História o diz.


Palavra do Monge